janeiro 31, 2009


DEDICATÓRIA


DEDICADO A TODOS OS PARTICIPANTES DA MINHA VIAGEM

QUE A TORNARAM FASCINANTE !


PRINCIPALMENTE À MINHA ESPOSA

QUE COM SEU AMOR ,DEDICAÇÃO E COMPREENSÃO

ME AJUDA FAZÊ – LA


AOS MEUS FILHOS E NETOS

QUE A CONTINUAM


HOMENAGEM A MEUS PAIS , SOGROS E FILHO JOÃO ANTÓNIO

QUE TERMINARAM A SUA VIAGEM




........ A VIDA É SOMBRA QUE PASSA
09 E AGORA ?

Terminando a Viagem

Início de janeiro de 2008, a Árvore de Natal ainda está montada sobre a mesinha , como em todos os Natais desde aquele longíquo 1981. Ao seu redor, caixas com os presentes que eu e a Tininha nos demos, também, invisíveis, estão ali caixas com os presentes de todos os que amamos , na repetição daquele processo dos presentes comprados por todos e para todos . As luzinhas coloridas lhe dão brilho, as lembranças parecem se espalhar por ela, alegrias e tristezas, êxitos e fracassos, que aconteceram ao longo dos tempos em que as minhas raízes se consolidaram nesta casa.

Aqui estiveram os meus Sogros , primeiro em férias, em 1982, depois retidos por doença de meu Sogro, um primeiro derrame cerebral, mostrando a abnegação e coragem da Tininha e da Olga Maria nos esforços para lhe darem o bem estar então possível , nove meses até à sua morte , durante os quais a visão de meu Sogro me traduzia a dor profunda da minha inutilidade perante o seu drama , podendo apenas lhe manifestar serenidade e ajuda, mas também o conforto de poder retribuir , embora com tão pouco , toda a compreensão e respeito que ele sempre tivera por mim .

Na Aparecida , eu estaria até ao final de julho de 1988 , demitido pela empresa que a comprou , depois de um longo processo de desgaste financeiro , que mesmo a continuada participação do BNDES não salvou , levando à sua venda para troca do controle acionário por própria exigência desse Banco ; o CF e eu faríamos todos os estudos para a venda , havia um grupo amigo querendo efetuar a compra, esperança desfeita, a aquisição tinha criado outros interesses maiores . No ato da aquisição, toda a Diretoria seria demitida, eu quase dois meses depois.

Mas aquela mão do Destino que nos acompanha ! ou não ! me ajudaria, na véspera da demissão - que eu esperava mas não sabia quando – recebo um telefonema de São Paulo, Cobrapi. É o meu colega, português que trabalhou comigo no Seixal e na Cobrapi Volta Redonda , que me convida. Ele era Gerente do Escritório em São Paulo, tinha um Projeto para a Cosipa, Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica para Expansão, precisava de mim ! Posso trabalhar como Consultor , autônomo . Claro que aceito, dia seguinte me chamam na Aparecida , um novo Diretor, demissão !

Na Aparecida eu tinha aprendido muito. Primeiro, Gerente de Engenharia Industrial, de Custos e Orçamentos , de Programação e Controle da Produção ; depois, acumulando, Gerente de Recursos Humanos, Gerente de Contabilidade, Gerente de CPD – Processamento de Dados - , Gerente de Suprimentos ! A Aparecida tinha mais duas Fábricas em São Paulo, as minhas atividades também se estenderam para elas, eu era então Superintendente de Gestão e Planejamento.

O João António foi estudar para São Paulo , em 1982, na PUC , Economia , depois a Paula, em 1984, no Mackenzie , Computação , a Olga Maria no ano seguinte , na FMU , Assistência Social, também o Pedro, em 1987, igualmente Mackenzie, Computação. A compra em março de 1985 de um pequeno apartamento em São Paulo , no Paraíso, Rua Estela 22 , foi então a forma de diminuir despesas, melhorar o conforto deles . Assim , as rotinas começavam a modificar - se , a casa da Washington Luis parecia agora grande com o afastamento e independência dos Filhos .

O CF morava em São Paulo , trabalhava para uma firma imobiliária do genro do ex -dono da Aparecida , desde a sua saída desta . Nossas visitas eram constantes, conhecimento entre os dois casais vindo da Universidade , renovado no Seixal, em Volta Redonda , na Aparecida, agora eu e o CF trabalhavamos juntos como Consultores . Leitura de jornal de domingo, em casa do CF, páginas de anúncios, este sugere a compra de um restaurante ! Poderia ser bom para distração das duas Mães que com o crescimento e afastamento dos Filhos se viam agora menos ocupadas, podia ser bom financeiramente, eu podia vir morar em São Paulo, deixar de viajar quase diariamente pela Castelo, alugar a casa da Washington Luis, alugar apartamento em São Paulo ! Tem a habilidade da Tininha na cozinha, a esposa do CF pode fazer o caixa, o próprio CF faria os suprimentos e o acompanhamento das despesas/receitas, eu afirmei que não contassem comigo para trabalhar , ficaria observando !
Assim a Tininha e a esposa do CF compraram em princípio de janeiro de 1989, o Fabrício Restaurante e Churrascaria Ltda, na Praça dos Omaguás em Pinheiros , nome de fantasia « Primo Michelle » !

Nenhum de nós tinha qualquer experiência em negócios desse tipo, apenas tínhamos a informação ( voz corrente ) de que « quem se estabelece, fica rico » !
Achávamos , como qualquer simples cliente de restaurante , que se tratava de uma atividade muito rentável, desconhecíamos a carga de atividades , as dificuldades no trato com os funcionários de cozinha e de copa .Todas as nossas suposições estavam erradas e , pior, até entendermos isso, a amizade entre os casais estaria destruída , a minha relação com o CF profundamente modificada.

Em outra suposição errada , eu e a Tininha decidiríamos comprar a parte da esposa do CF, o restaurante poderia ser , talvez , um possível futuro para a Olga Maria , que havia entretanto desistido de estudar. Em início de janeiro de 1990 , eu estava comprando a parte da esposa do CF, ficávamos sozinhos, teríamos pelo menos paz.

O Brasil vinha passando por graves problemas econômicos desde o 2º choque do petróleo em 1979. O General Figueiredo tinha conseguido êxito nos propósitos de democratização do País ; em março de 1985 , José Sarney tinha assumido a Presidência , como vice de Tancredo Neves, em eleições indiretas , e depois , com a morte inesperada deste , definitivamente . O aumento da divida externa levaria o Brasil a pedir moratória em 1987.

« A despeito de renegociações conduzidas no âmbito do Clube de Paris – os desencontros entre o Brasil e a comunidade de credores oficiais e privados foram frequentes, atravessando inclusive a mudança de regime político do início de 1985, até culminar na famosa moratória de 1987, quando o Brasil, pela primeira vez em muitas décadas, declarou a impossibilidade de continuar honrando seus compromissos externos.

Em janeiro de 1985, como forma de pressionar por novas facilidades creditícias, o governo brasileiro anunciou que estaria suspendendo o pagamento de juros sobre a dívida oficial bilateral até o reescalonamento dessas dívidas, ao que o Clube de Paris respondeu que o estabelecimento de um acordo stand-by com o FMI era a condição necessária para fazê-lo. A novela da dívida e o balé de missões do Fundo ao Brasil continuou pelos meses seguintes, sem qualquer progresso substantivo na condução das renegociações e com muito pouco progresso no tratamento conceitual do problema. O Presidente Sarney adotou uma retórica anti-Fundo, ao declarar em setembro de 1986 – descartando o fato de que o Brasil de fato não cumpria nenhum plano com a instituição – que “as fórmulas do FMI para o Brasil simplesmente não funcionam. Elas nos conduziram à mais dramática recessão em toda nossa história”. A moratória declarada em fevereiro de 1987, envolvendo o pagamento de juros dos empréstimos de médio e longo prazo dos credores privados, chocou o Mundo e o FMI, mas de fato ela era inevitável : a dívida total era então de 121 bilhões de dólares e as reservas brutas tinham caído dramaticamente de US$ 9,25 bilhões no final de 1985 para menos de 4 bilhões no momento da moratória »

Com inflação de 225 % no primeiro ano de governo, o Presidente Sarney instituiu em março de 1986 o Plano Cruzado, que procurava ajustar a economia do País, debelar a inflação . Depois desse Plano , tinham vindo outros – Cruzado II , Bresser – sem que fossem encontradas soluções capazes.

Em 1989 a inflação tinha alcançado 1.783 % ! Quando o Presidente Collor assume em março de 1990 , a inflação anual de março a março estava em 4853 % !

« O Presidente Fernando Collor de Mello chega ao poder depois de uma disputa no segundo turno com Luiz Inácio Lula da Silva, que surgiu dos movimentos de luta dos trabalhadores do ABC, tinha sido um importante líder sindical e era o grande nome do PT. Sua figura contrastava com a de Collor, que vinha da elite, porem não tinha nenhum partido forte que o apoiava, mas soube usar com eficiência o marketing, e temas de moralização. Iria combater os altos salários do funcionalismo público, que denominava de marajás, com isso iludiu o povo e também teve apoio da mídia mais poderosa, e conseguiu se eleger »

Nessas condições de descontrole financeiro do País, eu tinha decidido comprar o Restaurante , por inteiro ! Verdade que alguns dias depois tinha oferta para o vender, realizando um bom lucro, mas o desejo de o administrar sem os atropelos do CF , o possível apoio à Olga Maria, me fizeram achar que continuar seria mais interessante !

Em razão do Restaurante , havia decidido alugar a casa da Washington Luis e morar em São Paulo , num apartamento à Rua Artur Azevedo, 1192, Pinheiros, alugado, bem próximo da residência do CF e também do Restaurante .

Na sua posse , o Presidente Collor lança novo Plano, para por fim à crise, ajustar a economia e fazer sair o País do terceiro para o primeiro Mundo. Com esse Plano, são bloqueados por 18 meses os saldos das contas correntes, cadernetas de poupança e demais investimentos superiores a um valor em moeda nacional que não ultrapassava 1200 dólares ao câmbio daquela época !
Para grande número de brasileiros , a economia tinha explodido ! Como para tantos acontecera – muitos casos graves , levando a suicídios ! - se eu tivesse vendido o Restaurante naquela boa oferta, não teria visto o dinheiro, o comprador teria o dinheiro retido pelo Plano ! Ou eu, se entretanto ele já me tivesse pago ! Mas aquela mão do Destino que nos acompanha ! ou não ! me ajudaria também aí ! O Banco onde tínhamos conta , Noroeste, fizera mal os cálculos para a retenção do dinheiro , deixara livre um volume muito alto. Com receio do que na frente pudesse acontecer, a Tininha foi no Banco falar com a gerente da conta. Que não ! - a gerente devia estar estressada com tantos casos dos clientes ! – nós não sabíamos fazer contas, tem de aprender a entender o extrato ....... ! Fui com a Tininha ao Banco, a mesma gerente, ainda estressada e mal educada , eu não sabia ler o extrato : desistindo de ser honesto, levantamos todo o dinheiro, encerramos a conta . Algumas semanas depois, um gerente do Banco ligava para nós , no Restaurante, querendo aquele dinheiro ! Nunca o viu, a tal gerente já tinha sido demitida, o Banco foi vendido anos mais tarde .

« A recuperação da economia iniciou-se no final de 1992, após um grande processo de reestruturação interna das indústrias. Foi fundamental a abertura do mercado brasileiro para produtos importados, a qual obrigou a indústria nacional a investir alto na modernização do processo produtivo, qualidade e lançamento de novos produtos no mercado. As empresas que queriam permanecer no mercado tiveram que rever seus métodos administrativos, bem como da organização, reduzindo os custos de gerenciamento, as atividades foram centralizadas, muitos setores terceirizados. As empresas são obrigadas a investir pesado na automação, reduz a hierarquia interna nas indústrias, então cresce a produtividade. Toda essa modernidade era necessária para as empresas se tornarem mais competitiva, tanto no mercado interno quanto no mercado externo. O aumento de produtividade foi fundamental para a sobrevivência das empresas, porém para os trabalhadores, significava perdas de postos de trabalho, quer dizer com menos funcionários se produzia mais, então aumenta o desemprego dos brasileiros, que em 1993 só na Grande São Paulo chega a um milhão e duzentos mil trabalhadores desempregados.

Impeachment de Collor - O Presidente da Republica foi substituído sem derramamento de sangue, golpe militar ou qualquer tipo de violência. Foi um processo pela via legal e demonstrou amadurecimento do povo e dos políticos brasileiros, o que foi excepcional para a América Latina. Collor pregava a moralidade, combate à corrupção, porém em seu governo foram constatados muitos casos de corrupção. Paulo César Faria , o PC , envolvido no esquema de corrupção dentro do próprio governo Collor, sendo que a CPI apurou que muito dinheiro foi para a conta corrente de Collor. Para se ter uma idéia da gravidade, custou aos cofres brasileiro, só para as despesas pessoais do Presidente US$10 milhões e 600 mil. Ministros foram denunciados de corrupção, porém não houve condenações, Paulo César Farias chegou a ser preso, mas em pouco tempo ganhou a liberdade e foi curtir uma mansão na praia, onde foi encontrado morto crivado de balas. A polícia não conseguiu provar nada, porem a opinião do povo era uma só, seria uma queima de arquivo »

Em final de dezembro de 1992 terminavam os 930 dias do Governo Collor , assumia o Vive Presidente , Itamar Franco .
Mas também sobre os resultados do Restaurante aquele Plano tinha sido desastroso. Se antes já não eram bons, pouco recompensando os esforços da Tininha na atribulada labuta diária, quase sem folga semanal , sem férias, a partir de então , com os clientes sem dinheiro , até sem emprego, o dono do imóvel querendo continuados aumentos do aluguel, a solução última de fechar foi-se tornando cada vez mais desejada ! O fechamento aconteceu em janeiro 1993 . Uma vistoria da Eletropaulo descobrira que a conta de luz era relativa apenas à parte da iluminação , todo o restante – geladeiras, câmaras frigoríficas, forno elétrico de pizza ! - estava passando fora do contador, em montagem ilegal que havia sido feita muito antes de comprarmos o restaurante, com o CF . A morte daquele já péssimo negócio foi ali decretada !

Alugamos uma casa comercial em Sorocaba, no Central Parque, transferimos para ela todos os equipamentos, fizemos obras, acampamos dentro, trabalhamos na limpeza e na arrumação, no treinamento de funcionários, abrimos novo restaurante !
Era o Quintans Cantina e Pizzaria Ltda , nome de fantasia Timpanas !

Em 1988, eu começara a trabalhar como Consultor , no Projeto da Cosipa, depois também para aquele escritório em que trabalhava o CF. Trocara de carro , tinha agora um Escort XRL 3 , preto, com ele fazia diariamente a viagem entre Sorocaba e São Paulo . Aquele Opala verde dera lugar em 1985 a um Monza vermelho, em 1981 eu tinha comprado um Passat que então em 1988 trocara pelo Escort. A Tininha ficava com o Monza, de recordação não muito agradável – esse carro ainda não completara 500 quilómetros, tinha sido abalroado por um Fusca no cruzamento da Washington Luis com a João Wagner Way ! Não obedecendo ao sinal de parar , o Fusca veio bater na direita traseira do Monza , a Tininha vê o carro rodar e ir para a direita, em direção da calçada e de um bar , bater na porta desse bar, felizmente sem apanhar gente ali sentada numa mesa , só lhes passando ao lado ; para piorar o aspecto do coitado do carro , um telheiro que cobria a calçada caiu sobre o capô ! O espanto dos mecânicos da revendedora vendo entrar aquele carro novinho mas todo amassado era visível !

Naquele Projeto da Cosipa , eu teria duas grandes satisfações profissionais ! A primeira, tendo que fazer um levantamento das características e das performances operacionais das Instalações de Conversor LD e de Máquinas de Lingotamento Contínuo de Placas no Mundo, para em reunião com os Gerentes da Cosipa lhes demonstrar que os dados que haviam informado à Cobrapi estavam todos errados , por impossíveis ! Eu não teria outra forma de fazer essa atividade , era visível a luta de poder entre quadros de pessoal excessivos e despreparados : a privatização da Cosipa aconteceria em 1993 , os cargos de chefia seriam reduzidos de 400 para 170!

Outra satisfação , essa bem maior, viria com a realização de um estudo de simulação computadorizada das Instalações LD e Lingotamento Contínuo , como em 1977 eu vira realizado pela USS, na Cobrapi em Volta Redonda ! Eu tinha desenvolvido todos os cálculos matemáticos envolvendo as operações daquelas complexas máquinas, planejado todas as possíveis ocorrências e estabelecido para elas variações probabilísticas, conseguira alocar no trabalho um engenheiro de computação de uma empresa terceirizada, lhe explicado passo a passo como desenvolver o programa , alguma reuniões tinham sido feitas no « Primo Michelle » . Depois de vários insucessos em experiências feitas com o rodar do programa, nós conseguíamos finalmente acertá – lo ! Ele fazia as operações como se acontecessem na Usina , com paradas por avarias, mudanças de programas , uma operação depois da outra, dia após dia , reproduzindo exatamente os índices operacionais e os programas de produção determinados para cada Instalação !

Esse programa foi explicado e rodado em demonstração para todos os Gerentes de Projeto da Cosipa , mas creio que ninguém visualizou a maravilhosa ferramenta que ele representava , para todo o tipo de instalação operando em contínuo ! Mas eu realizei o meu sonho !

O Projeto da Cosipa era também um Estudo de Viabilidade Econômica e Financeira , parte que estava entregue ao Escritório da Cobrapi Rio de Janeiro. Nesse Escritório , o Gerente era agora aquele engenheiro que eu fora buscar na Cosigua e que me acompanhara em todos os Projetos de que eu participara no meu tempo por lá . Aquele Estudo de Viabilidade foi feito , recebo uma cópia. Estava profundamente errado, na metodologia, nos cálculos, nos resultados ! Um desastre, que já tinha sido entregue à Cosipa ! A Cobrapi São Paulo me encarrega de revisar o trabalho, não dá para aproveitar nada , desenvolvo outro com engenheiros e uma economista chilena do Escritório de São Paulo.

Eu estava habituado , mas era sempre uma surpresa !

Enquanto na Aparecida , tinha recebido um telefonema de uma Empresa de Projetos do Rio de Janeiro, a Natron Consultoria e Projetos S.A - precisavam de assessoria numa proposta para a Açominas , Minas Gerais ! Pagam-me estadias de finais de semana no Rio de Janeiro, também para a Tininha, desenvolvo a proposta, chego a ir com eles a Belo Horizonte a uma reunião com o Cliente.
Agora, terminando o Projeto da Cosipa, recebo um telefonema de uma Empresa de Projetos, São Paulo , alguém lhes falou de mim, precisam desenvolver o Projeto de uma Aciaria e Laminação para a região de Araçariguama, no quilómetro 51 da Rodovia Castelo Branco. O Escritório fica na Lapa, a Empresa é a Paulo Abib Engenharia S.A , sou contratado para assessorar um Projeto que desenvolvem há muitos anos para o proprietário de uma Concreteira de São Paulo , a Concremix S.A , agora querem finalizá - lo . Analizo o que já tinham desenvolvido , haviam até mesmo já elaborado arranjo geral, desde o início recebiam assessoria de um técnico jugoslavo ; não preciso de muitos argumentos para que a Paulo Abib aceite começar outro , novo ! Descubro entretanto que eu havia sido indicado por um simples desenhista que tinha ouvido ali comentar que precisavam de um especialista, ele tinha estado na Cobrapi São Paulo, falou o meu nome !

Esse Projeto me levaria mais uma vez ao Japão, e também mais uma vez através de um fornecedor de máquina de lingotamento contínuo, agora a Mitsubishi . Dez anos depois da primeira viagem, eu estava de novo fazendo aquele longo trajeto de avião , até ao Aeroporto de Narita em Tóquio, para ficar hospedado no Trade Center , e depois em viagem no Trem Bala visitar Osaka e Hiroshima , esta última sede da Machinery Works Mitsubishi Heavy Industries .

Como Tóquio estava diferente ! O movimento durante o dia continuava com a mesma turbulência, mas o colorido era agora muito maior , espalhado pelas fachadas dos prédios mas principalmente nas gentes que enchiam as ruas, que lembravam passarela de moda , extravagante, apelativa ! E as noites não eram mais de bares escondidos , dissimulados , agora as luzes explodiam feéricas, atraindo para lojas, bares, galerias, boates e , principalmente ! , casas de máquinas de jogo ! Gente jovem , carros de luxo , faziam o movimento das ruas , numa visível ansiedade de diversão e de consumo . Aquelas casas de Pachinko , mistura de slot machines e pinball , com as suas miríades de luzes e lotadas de gente , ombro com ombro, costas com costas, expressavam a nova Tóquio , muito diferente da outra que eu conhecera , agora menos enobrecida , talvez com a perda da absoluta dedicação ao trabalho que tinha a Tóquio de outrora , mas esta muito mais plena de vida .

A cidade de Osaka , onde visitamos uma mini usina ali próxima , reporta ao passado, com ruas bucólicas, inúmeros templos que atraem para uma visita interrogativa, silenciosa . A visita a Hiroshima seria principalmente uma visita de reflexão ! Da cidade atingida às 8H15 de 6 de agosto de 1945 pela primeira bomba atômica , apenas restam ruínas de um edifício , o Gembaku , a 150 metros de distância do ponto de impacto da bomba , agora um Memorial da Paz , inserido num conjunto de diversos monumentos – entre eles um Museu – denominado Parque Memorial da Paz

« Aquela manhã, antes das seis horas, já estava tão clara e quente que anunciava um dia canicular. Alguns instantes depois, uma sirene tocava: a campainha de um minuto anunciava a presença de aviões inimigos, mas indicava também, por sua brevidade, aos habitantes de Hiroshima, que se tratava de um perigo fraco. Porque a cada dia, na mesma hora, quando o avião meteorológico norte-americano se aproximava da vila, a sirene tocava.
Hiroshima tinha a forma de um ventilador: a cidade era construída sobre seis ilhas separadas por sete rios de estuário que se ramificavam a partir do rio Ota. Seus bairros residenciais e comerciais cobriam mais de seis quilômetros quadrados no centro do perímetro urbano. Era ali que residiam três quartos dos habitantes. Vários programas de evacuação haviam reduzido consideravelmente sua população. Ela passou de 380 mil almas antes da Guerra para cerca de 245 mil pessoas. As usinas e os bairros residenciais, assim como os subúrbios populares, situavam-se além dos limites da cidade. Ao sul se encontravam o aeroporto, as orlas e o porto sobre o mar Interior, salpicado de ilhas . Uma cortina de montanhas fecha o horizonte sobre os três lados restantes do delta.
A manhã voltava a ficar calma, tranquila. Não se ouvia nenhum ruído de avião. Então, repentinamente, o céu foi rasgado por um flash luminoso, amarelo e brilhante como 10 mil sóis. Ninguém se lembra de ter ouvido o menor ruído em Hiroshima quando a bomba explodiu. Mas um pescador que se encontrava sobre seu barco, perto de Tsuzu, no mar Interior, viu o clarão e ouviu uma explosão aterradora. Ele estava a 32 quilômetros de Hiroshima e, segundo ele, o barulho foi muito mais ensurdecedor que quando os B-29 bombardearam a cidade de Iwakuni, situada a apenas oito quilômetros.
Uma nuvem de poeira começou a subir sobre a cidade, enegrecendo o céu como uma espécie de crepúsculo. Soldados saíram de uma trincheira, o sangue correndo de suas cabeças, peitos e costas. Eles estavam silenciosos e aturdidos. Era uma visão de pesadelo. Seus rostos estavam completamente queimados, suas órbitas vazias e o fluido de seus olhos fundidos corria sobre suas faces. Eles deviam, sem dúvida, estar olhando o céu no momento da explosão. Suas bocas não eram mais que feridas inchadas e cobertas de pus...
Casas estavam em fogo. E gotas d’água do tamanho de bolas de gude começaram a chover. Eram gotas de umidade condensada que caíam do gigantesco cogumelo de fumaça, de poeira e de fragmentos de fissão que subiam já vários quilômetros sobre Hiroshima. As gotas eram grossas demais para serem normais. Alguém começou a gritar: “Os americanos estão bombardeando com gasolina. Eles querem nos queimar!”. Mas eram gotas d’água, evidentemente, e enquanto elas caíam o vento começou a soprar cada vez mais forte, talvez por causa do formidável deslocamento de ar provocado pela cidade em brasas. Árvores imensas foram derrubadas; outras, menores, foram arrancadas e projetadas pelos ares, onde giravam, num tipo de funil de furacão enlouquecido, restos esparsos da cidade: telhas, portas, janelas, roupas, tapetes...
Dos 245 mil habitantes, cerca de 100 mil foram mortos ou receberam ferimentos mortais no instante da explosão. Cem mil outros foram feridos. No mínimo 10 mil destes feridos, que podiam ainda se deslocar, encaminharam-se ao hospital principal da cidade. Mas ele não estava em estado de receber uma tal invasão. Dos 150 médicos de Hiroshima, 65 haviam morrido imediatamente e os outros estavam feridos. E dos 1780 enfermeiros, 1654 haviam encontrado a morte ou estavam feridos demais para poder trabalhar. Os pacientes chegavam rastejando e se instalavam por quase todo canto. Eles ficavam agachados ou deitados no chão nas salas de espera, nos corredores, nos laboratórios, nos quartos, nas escadas e nas portas da frente e dos fundos, assim como no pátio e do lado de fora, até se perderem de vista, nas ruas em ruínas... »

Mas hoje Hiroshima é um local de esperança ! Percorrendo aquele Memorial da Paz, andando pelas ruas da cidade reconstruída, em contacto com as gentes da cidade que mais sofreu com um bombardeio atômico , tive a certeza de que nela não se busca vingança (nem dos americanos que jogaram a bomba, nem do sistema imperial japonês que criou a situação para que a bomba fosse jogada), mas que tenta transmitir a lição de que a Paz vale a pena e deve ser buscada a qualquer custo, porque o preço da guerra é sempre alto demais. Hiroshima, então, transcendeu a sua situação de vítima e passou a ser uma cidade que ensina pelo exemplo. Hiroshima ressurgiu das suas cinzas e se fez bonita mais uma vez, mas sem esquecer de onde veio nem o quanto custou chegar onde chegou.

Uma manhã de folga , nos levam a visitar um Santuário Xintoísta , na ilha de Myiajima , a 40 minutos de barco de Hiroshima.
Essa ilha, cujo nome significa « Ilha Templo » tem como edifício principal o Templo de Itsukushima, muito antigo, localizado à beira mar. O portão do Templo, que foi construído na baía, é pintado de um alaranjado forte ; quando a maré está alta, a água vai até ao Templo, que parece ficar flutuando sobre a água , o portão no meio do mar . Durante várias comemorações anuais, pessoas de Hiroshima e de outras cidades fazem procissões de barco e passam por dentro do portão, carregando tochas acesas.
A Ilha é um local de concentração e de passeio , com ruas levando a inúmeros templos, lojas de artigos turísticos, restaurantes . Por essas ruas perambulam dezenas de veados , habituados à presença de turistas de quem procuram ganhar biscoitos .

Aquele dono da Concreteira era apenas um hábil negociante, talvez com um sonho, mas sem dinheiro suficiente para , sozinho como queria, construir uma mini siderúrgica . O Projeto parou para mim com aquela visita ao Japão. Também soube mais tarde que a Cobrapi do Rio de Janeiro trabalharia nele, que a Paula Abib não tinha sido paga das despesas com o Projeto ! Não muitos anos depois , a Paula Abib Engenharia S.A requereria falência.

O Mundo vivia agora momentos históricos a que eu não acreditava possível assistir ! Sempre, ao longo da minha vida, a leitura dos jornais , a TV, me tinham trazido notícias, medos, da Guerra Fria que se desenrolava entre os dois Mundos em que parecia se dividir a Humanidade, raramente permeada por notícias da outra grande parcela , a China, que ficava quase esquecida , longíqua, difusa . Em novembro de 1989 , após 28 anos, tinha caído o Muro de Berlim , 155 Km que separavam a capital da Alemanha em duas partes incomunicáveis ; agora, a orgulhosa ( e incômoda ! ) URSS, União Soviética, formada em 30 de dezembro de 1922 pela reunião dos países que formavam o antigo Império Russo – a que a Revolução de 1917 dava as cores marxistas – se dissolvia em 21 de dezembro de 1991 !

« Em março de 1989, pela primeira vez na União Soviética, realizaram-se eleições livres para a escolha do Congresso dos Deputados do Povo; 180 milhões de soviéticos foram às urnas, confiantes de que viviam um momento único de sua história. O pleito, de certa forma, referendou as diretrizes de Gorbatchev, pois acabou impondo humilhante derrota aos candidatos oficiais.

Nesse novo cenário político, surgia com força a figura de Bóris Yeltsin, eleito representante da cidade de Moscou com 89,4% dos votos e adepto de reformas mais aceleradas. Yeltsin havia sido prefeito de Moscou e importante figura do Partido Comunista. Logo que Gorbatchev lançou as propostas da glasnost e da perestroika, Yeltsin passou a defendê-las com vigor. Era um ultra reformista. Por isso, passou a sofrer violentas pressões dos conservadores e acabou renunciando a seus cargos e passando para a oposição.

Em fevereiro de 1990, uma nova legislação partidária permitiu a organização de partidos políticos. Era o fim da hegemonia absoluta do Partido Comunista, que vigorava desde a Revolução de 1917.

Logo ganhou força a Plataforma Democrática, frente política liderada por Bóris Yeltsin. Isso acentuava a pressão sobre Gorbatchev no sentido de ampliar as reformas políticas e econômicas.

Mas a tarefa de transformar as velhas estruturas não podia se concretizar de maneira tão rápida. Mais de 70 anos de centralismo, produção subsidiada e rigidez burocrática não se desfazem sem grandes transtornos. A passagem do modelo estatizado de produção para a economia de mercado gerou alta de preços e escassez de produtos, aumentando a insatisfação popular.

Enquanto isso, o movimento separatista, iniciado nas repúblicas bálticas em 1990, crescia e se espalhava para outras repúblicas.

Somente respostas positivas na economia poderiam reforçar os laços que mantinham juntas as quinze repúblicas soviéticas. Em março de 1991, um plebiscito em toda a União Soviética confirmou por larga maioria (76% ) o desejo de manter a união do país, na forma de uma “federação renovada de repúblicas soberanas”, com direitos iguais.

Ainda nesse ano, o Congresso dos Deputados do Povo aprovou um programa econômico para acelerar a introdução da economia de mercado, com a liberação dos preços, a privatização de empresas e o estímulo ao comércio exterior.

Gorbatchev achava-se numa posição delicada, pressionado de um lado pelos ultra-reformistas, sob o comando de Yeltsin, e de outro pelos comunistas ortodoxos, que faziam tudo para solapar as reformas em curso.

Em 19 de agosto de 1991, uma notícia causou comoção mundial: a agência soviética Tass divulgou que Mikhail Gorbatchev havia deixado a presidência da União Soviética por “problemas de saúde”, e um certo Comitê Estatal de Emergência assumira o poder. O sentido era inequívoco: Gorbatchev fora vítima de um golpe de Estado. A “linha dura” do Partido Comunista pretendia reinstalar um regime totalitário.

Mas a população reagiu. Milhares de pessoas saíram às ruas e passaram a enfrentar os soldados e os tanques que se dirigiam ao edifício do Parlamento da República da Rússia. Barricadas impediam o avanço dos tanques, e sua tripulação era retirada à força de dentro dos veículos. Bóris Yeltsin passou a comandar a resistência, que ganhou até mesmo a adesão de muitos militares.

O noticiário dava conta de que o golpe fora liderado por Guennady Yanayev, vice-presidente da União Soviética; Bóris Pugo, ministro do Interior; Dmitri Yazov, ministro da Defesa, e Wladimir Kryuchov, chefe da KGB (a polícia secreta soviética).

Gorbatchev permaneceu 60 horas preso na Criméia, numa casa de praia onde tinha ido descansar. Aos poucos, os golpistas foram perdendo força diante da resistência de quase toda a nação. Graças à glasnost e à perestroika, a União Soviética mantinha agora contatos abertos com o exterior, que pôde acompanhar o desenrolar dos acontecimentos. A televisão do mundo todo transmitiu a imagem de um Yeltsin inflamado, discursando no alto de um tanque para uma multidão cheia de entusiasmo patriótico. Vários chefes de Estado do Ocidente exigiram enfaticamente a recondução de Gorbatchev ao poder.

Após três dias de resistência, Yeltsin e os militares legalistas tinham recuperado totalmente o controle da situação, e os golpistas foram presos. Gorbatchev desembarcou livre em Moscou. De volta ao cargo, o líder soviético reafirmou seu compromisso com o socialismo democrático e sua intenção de somar forças com Yeltsin, agora extremamente fortalecido por comandar a resistência aos golpistas.

Afastada a ameaça antidemocrática, faltava à União Soviética superar seus grandes problemas econômicos e resolver a questão dos nacionalismos dentro do país, já que os movimentos separatistas,. principalmente nas repúblicas bálticas, não tinham cessado.
O golpe de agosto de 1991 praticamente abriu as comportas para o movimento de independência das repúblicas que compunham a União Soviética. As repúblicas do Báltico já tinham tentado separar-se em 1990, mas foram severamente reprimidas, pagando com sangue sua ousadia. Com o fracasso do golpe, o cenário mudou totalmente. As forças conservadoras estavam derrotadas e quem mandava realmente era Bóris Yeltsin – e não mais Gorbatchev, cujo poder estava completamente esvaziado.

Já no mês seguinte, setembro, as repúblicas da Letônia, Estônia e Lituânia, uma após a outra, reafirmaram, agora em caráter definitivo, suas declarações de independência. A própria Rússia foi um dos primeiros países a reconhecer a independência dessas repúblicas.

Estava aberto o processo para as outras, que em sua grande maioria também se declararam separadas.

Outra conseqüência importante do golpe foi a suspensão, determinada por Yeltsin em toda a Rússia, das atividades do Partido Comunista, que implicou até mesmo o confisco de seus bens. A KGB, o poderoso serviço secreto soviético, teve sua cúpula dissolvida.
Gorbatchev admitiu a implosão da União Soviética, mas ainda tentou manter o vínculo entre as repúblicas, propondo a assinatura do chamado Tratado da União. Mas suas palavras não tiveram eco, e o processo de separação se tornou irreversível.

Em 4 de setembro de 1991, Gorbatchev, como presidente da União Soviética, Bóris Yeltsin, na qualidade de presidente da Rússia, e mais os líderes de outras nove repúblicas, em sessão extraordinária do Congresso dos Deputados do Povo, apresentaram um plano de transição para criar um novo Parlamento, um Conselho de Estado e uma Comissão Econômica Inter-Republicana. Embora tentasse estabelecer os parâmetros para uma nova união entre as diversas repúblicas, esse plano, na verdade, significava o desmantelamento formal da estrutura tradicional do poder soviético. De qualquer forma, a proposta acabou sendo aprovada.

Percebendo a importância de Gorbatchev para a estabilidade da nação, naquele momento, Yeltsin prometeu o apoio da República russa ao novo plano.

Enquanto isso, os líderes ocidentais também davam sinais de uma clara preferência pela permanência de Gorbatchev no poder, embora demorassem a assumir o compromisso de uma ajuda econômica mais efetiva à União Soviética.

O agravamento da situação econômica era justamente o que tornava mais delicada a posição de Gorbatchev. Decididamente, o povo soviético tinha perdido a paciência com os problemas econômicos, que se manifestavam na vida diária de cada cidadão. A desorganização da economia era visível nas prateleiras vazias dos supermercados e nas filas intermináveis para comprar os produtos mais corriqueiros, como sabonete ou farinha de trigo.

Aprovado o plano de mudanças, faltava agora conseguir a assinatura do Tratado da União com todas as repúblicas. Mas em 1º de dezembro de 1991 a situação se precipitou com a consolidação da independência da Ucrânia, aprovada em plebiscito por 90% da população.

Uma semana depois, numa espécie de golpe branco contra Gorbatchev, os presidentes das repúblicas da Rússia, Ucrânia e Bielo-Rússia, reunidos na cidade de Brest (Bielo-Rússia), criaram a Comunidade de Estados Independentes (CEI), decretando o fim da União Soviética.

Diante disso, James Baker, secretário de Estado norte-americano, declarou: “O Tratado da União sonhado pelo presidente Gorbatchev nunca esteve tão distante. A União Soviética não existe mais”.

De fato, em 17 de dezembro Gorbatchev foi comunicado de que a União Soviética desapareceria oficialmente na passagem de Ano Novo.

No dia 21 de dezembro, os líderes de 11 das 15 repúblicas soviéticas reuniram-se em Alma Ata, capital do Casaquistão, para referendar a decisão da Rússia, Ucrânia e Bielo-Rússia e oficializar a criação da Comunidade de Estados Independentes e o fim da União Soviética »

O CF me convida para trabalhar num projeto naquele Escritório Imobiliário do genro do ex-dono da Aparecida, de novo um desafio – elaboração de proposta para implantação de um Terminal Rodo – Ferroviário na região de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro , objeto de concessão do Governo do Rio , por licitação , edital público ! Trabalhando com a Construtora Mendes Júnior, em Belo Horizonte , e especialistas na área ferroviária de orgão federal, no Rio de Janeiro, elaboramos estudo de mercado, desenvolvemos os estudos técnicos para implantação de terminal rodoviário com pousada e restaurante , de terminal ferroviário para cargas e passageiros , shopping, indústrias diversas , fazemos lay-out, desenhos, orçamos, elaboramos estudo econômico e financeiro ! O Escritório ganha a licitação , empreendimento global de mais de 500 milhões de dólares !

Nesse Escritório, encontro o ex – Presidente da Aparecida .Me convida para trabalharmos juntos em Consultoria para um grupo empresarial ( Companhia Geral de Indústria ) com empresa em Guaíba , próximo a Porto Alegre - fogões a lenha , também empresas em Vitória , Rio de Janeiro e Extrema ( próximo a Bragança Paulista, São Paulo ) - estas de fabricação de parafusos - , e em Osasco, São Paulo , de fabricação de cozinhas industriais. Aceito, mais desafios, mais viagens.

Passada com esse ex- Presidente , me tinha sido contada uma estória que de certo modo me envaideceu , mas cômica ! Um ex-funcionário meu , da Aparecida , procurava emprego, deu aquele como referência ; dessa empresa ligaram para ele, não sabendo de quem se tratava, perguntou com quem o candidato trabalhava na Aparecida . Lhe disseram então que com o Eng.Graça . Ah , bom , podem admitir , se trabalhou com o Eng.Graça é certamente bom funcionário ! Só que ele desconhecia que esse funcionário eu tinha demitido por fraude em concorrência de compras !

Então, em início de 1993 eu tinha terminado essas consultorias , estava mais atento ao problema financeiro do « Primo Michelle » , aquele problema com a conta da energia elétrica é levantado, o proprietário do imóvel pressiona por aumento, eu e a Tininha não hesitamos , vamos voltar para Sorocaba , talvez o negócio pudesse ser viável em outras condições.

Mas a casa da Washington Luis estava alugada , seria necessária ação judicial para a retomar. Em 1989 tinhamos ido para São Paulo, para o apartamento alugado na Artur Azevedo, mas ao final de um ano – os resultados com o restaurante eram desanimadores ! – resolvíamos ir morar no pequeno apartamento da Rua Estela, os Filhos não precisavam mais dele .

Em Sorocaba , o « Timpanas » não parecia vir a ter melhor sorte do que o « Primo Michelle » ! As atividades eram por demais cansativas, os lucros muito baixos, nós aguardávamos a liberação da casa da Washington Luis, acampávamos no restaurante . Timpanas era o nome de um fado cantado por Amália Rodrigues que começava assim

Meia azul e bota alta
a reinar com toda a malta
é o rei das traquitanas
o timpanas !

O Brasil continuava vivendo sérios problemas econômicos, que os vários Planos ainda mais agravavam , expondo as deficiências do sistema e dos economistas que procuravam saná-lo ! Em maio de 1993, o Presidente Itamar Franco nomeia Fernando Henrique Cardoso para Ministro da Fazenda, e com este inicia-se mais um Plano – o Real – agora com um prévio período para que fosse obtido o ajuste dos contratos e preços , sem congelamentos , sem confiscos. Foi criado um novo indexador – URV, em fevereiro 1994 – e uma nova moeda – o Real , em julho 1994. Em cima do êxito desse Plano, Fernando Henrique Cardoso seria eleito em primeiro turno , outubro de 1994, para Presidente da República, assumindo em 1 de janeiro 1995.

O « Timpanas » nem mesmo com o Real ! Em novembro 1994 nós o vendíamos, a dois casais tão cheios de esperanças quanto as nossas na época da compra do « Primo Michelle » com o CF . Em menos de seis meses , o restaurante estava fechado , o local abriria depois como locadora de vídeos !

Voltávamos finalmente à casa da Washington Luis , maltratada pelos anos de aluguel . As árvores tinham crescido desmedidamente , sujavam o telhado , a casa tinha sérios problemas com as chuvas . Envelhecia , como nós.

Em julho, eu havia sido convidado para avaliar as condições técnicas de uma empresa que havia pedido concordata e que então se encontrava parada por total esvaziamento das condições financeiras para manutenção das operações . Era uma empresa de projeto , implantação e fabricação de sistemas e equipamentos contra incêndio, a Bucka Spiero , na Avenida Santa Marina , Bairro da Água Branca , São Paulo , fundada em 1938, com uma sequência recente de alterações acionárias que a tinham levado àquela situação. O dono daquela empresa imobiliária em que trabalhava o CF se interessava pelo negócio, me convidou para repor as condições operacionais , administrar tecnicamente , em atividade de assessoria, como autônomo .

Durante quase seis anos , esse seria o meu desafio, também último da carreira profissional , embora outras pequenas e inexpressivas passagens posteriores por empresas de Sorocaba . Mas na Bucka Spiero, depois BSC Equipamentos de Segurança SA , eu teria que explorar até aos seus limites máximos tanto os aspectos técnicos como os financeiros , num desafio diário que tanto como me motivava igualmente me assustava .

Aquele Escort XRL3 , comprado em setembro de 1988, cansado de tanta viagem diária entre Sorocaba e São Paulo, seria trocado em agosto de 1994 por um Fiat Tipo 1.6, 4 portas, vermelho, que iniciaria novo ciclo de viagens para São Paulo, agora as condições de trânsito muito mais difíceis, obrigando a permanecer em São Paulo, no apartamento da Rua Estela , durante algumas noites por semana . O Monza, de 1985 , também vermelho, que havia sido batido quase na estréia da sua rodagem, vinha sendo motivo de maiores preocupações do que prazer , a Tininha quase sempre nas suas saídas com ele tinha problemas ! Em 1997 , o Fiat Tipo e esse Monza, foram trocados por um Ford Escort GL 1.6 , prata, passávamos a ter só um carro.

No final de 2000, a minha aventura na Bucka Spiero , ou BSC, terminava ! Naqueles anos, o arranjo geral da fábrica tinha sido por inteiro alterado, num deslocamento sucessivo de setores , de um para outro lado, abrindo espaços para novo movimento, mudando a localização de máquinas no próprio setor e mudando cada setor para melhor localização . Com três fábricas ao início , em endereços físicos diferentes, agora tínhamos apenas uma , o conjunto se encaixava harmonicamente, aumentando a flexibilidade das operações e reduzindo custos ! Mas , financeiramente , o sistema tinha explodido ! Mesmo sem o pagamento de quaisquer impostos , mas com absoluto e rigoroso cumprimento das normas contábeis e fiscais em todos os atos de compra e venda, o desconto de duplicatas sempre tinha sido pela sua totalidade , desde o retorno das operações em 1994, para manter as necessidades das despesas ; mas agora , já isso não bastando , os pagamentos de duplicatas sempre em cartório, tinha sido necessário o recurso ao faturamento antecipado , num mecanismo de descontrole que se esgotava e levaria à parada e ao caos comercial ! Paralelamente, o não cumprimento das obrigações fiscais vinha levando a sucessivas penhoras, já à perda de equipamentos, o terreno da fábrica estava também penhorado, a sua cobrança vinha desde 1994 !
Todas as tentativas de explicação aos trabalhadores e ao Sindicato das reais condições da empresa – mesmo com a liberdade de pleno acesso aos dados contábeis ! - vinham esbarrando na desconfiança, na rejeição, na versão fácil de que seriam manobras patronais para impedir melhores condições trabalhistas ! Assim , desde 1994 , as greves aconteciam, os salários subiam ; com o envelhecimento dos equipamentos e as dificuldades organizacionais, a espiral seguia para o seu ápice.

O que tinha dado errado? O dono daquela imobiliária pensava ao início capitalizar a empresa , a fim de sair do desconto de duplicatas e ter melhor condição de compra , isso ele me tinha afirmado nos primeiros contatos quando eu comecei a avaliação técnica e depois me repetido inúmeras vezes face às minhas referências sobre as crescentes dificuldades de operação . Mas a condição financeira dos seus negócios nunca lhe havia permitido cumprir tal vontade , porque envolvido numa obra de grande porte em São Paulo – Fórum Trabalhista – de que tinha continuadamente os pagamentos atrasados pelo Governo, obrigando-o inclusive a tomar sucessivos recursos em Bancos e até tentativas de saque no inexistente caixa da BSC ! O CF acompanhava esses processos , me confirmava as dificuldades .

Mas em 1998, tudo explode ! Inclusive a minha imaginada garantia de ter com aquele empresário e amigo, Fabio Monteiro de Barros Filho – ali na BSC ou em outros negócios – ocupação profissional por muitos anos, até à minha retirada por idade ou saúde !

« Em 1992, o TRT-SP iniciou licitação para construir o Fórum Trabalhista de São Paulo. A Incal venceu a licitação e se associou ao empresário Fábio Monteiro de Barros. Em 1998, auditoria do Ministério Público apontou que apenas 64% da obra do fórum havia sido concluída, mas que 98% dos recursos já tinham sido liberados. A obra do fórum foi abandonada em outubro daquele ano, um mês após o juiz Nicolau dos Santos Neto deixar a comissão responsável pela construção.

Uma CPI na Câmara, que investigou a obra no ano seguinte, mostrou pagamentos vultosos das empresas de Fábio Monteiro de Barros, da Incal, ao Grupo OK, do senador cassado Luiz Estevão. Descobria-se, então, um contrato que transferia 90% das ações da Incal para o Grupo OK.

Decisão do juiz Casem Mazloum, investigado pela Operação Anaconda, absolveu Luiz Estevão e dois empresários no principal processo a respeito do suposto desvio de R$ 169 milhões. Em abril de 2000, foi decretada a prisão de Nicolau, capturado em 10 de dezembro e condenado a oito anos em regime semi-aberto.

O Ministério Público Federal pediu a condenação de Nicolau dos Santos Neto, dos empresários Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Teixeira Ferraz e do ex-senador Luiz Estevão de Oliveira Neto. O juiz Casem Mazloum, da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo, considerou a denúncia "parcialmente procedente" .
O MPF pediu pena máxima para todos, pelos crimes de estelionato, formação de quadrilha, peculato, corrupção passiva, falsidade ideológica e uso de documentos falsos, mas Mazloum entendeu que houve "excessiva atribuição de tipos penais". Corrigiu a denúncia, condenou Nicolau por tráfico de influência e lavagem de dinheiro e absolveu os demais. E também absolveu os dois empresários e o ex-senador por entender que, se não houve corrupção passiva por Nicolau, não teria havido corrupção ativa »
« Em 500 páginas de documentos, relatos e explicações, o empresário Fábio Monteiro de Barros Filho sustenta que a construção do prédio do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), em São Paulo, ocorreu de forma regular e que foram feitos pelo menos 75% da obra, de acordo com avaliação do escritório de engenharia L.A. Falcão Bauer. Esse índice chegaria a 84%, caso sejam incluídos os materiais e equipamentos existentes nos almoxarifados próprios e nos depósitos dos fornecedores, ainda de acordo com a avaliação do escritório. Com 1.598 vagas de garagem em quatro subsolos e projetado para a circulação diária de até 15 mil pessoas, o prédio centralizará as sedes de todas as juntas da Justiça do Trabalho de São Paulo.
Um dos documentos da defesa de Monteiro de Barros é um parecer emitido pelo Tribunal de Contas da União (TCU), depois de uma auditoria sobre o processo de licitação vencido pela Incal. Realizada poucos meses depois de a Incal vencer a licitação para a construção do edifício, a auditoria ocorreu ainda em 1992. O preço foi considerado “aproximadamente de acordo com o custo médio dos edifícios da mostra”, afirma o parecer. Durante a auditoria, juristas teriam afirmado, também em pareceres, que o processo de licitação fora legal e que a escolha da Incal como vencedora era correta. Monteiro de Barros cita como autores desses pareceres os advogados e professores de Direito Miguel Reale, José Afonso da Silva, Toshio Mukai e Ives Gandra da Silva Martins. Alguns anos depois, em maio de 1996, o parecer foi levado à avaliação do plenário do TCU, o qual deliberou pela continuidade das obras.
O empresário afirma que o contrato assinado com o TRT tornou-se “excessivamente oneroso” para a construtora depois de algum tempo. A razão disso, diz ele, estaria principalmente no fato de o TRT atrasar os pagamentos, mas também pelas alterações que o contrato sofreu ao longo do tempo, incluindo aí a criação de “impostos e contribuições” e alterações na forma de reajuste do contrato. O atraso do pagamento explicaria o fato de o cronograma de construção não ter sido cumprido pela Incal, afirma o dono da construtora, negando assim que a obra tenha sido abandonada.
O próprio valor do montante recebido pela Incal é questionado por Monteiro de Barros. O valor apresentado pelo Ministério Público Federal, incluindo os pagamentos feitos até outubro de 1998, de R$ 206 milhões, estaria errado. Um ofício do Tribunal Superior do Trabalho, feito a pedido do TRT de São Paulo, apurou que o valor, até aquela data, era de R$ 159 milhões. O empresário diz ainda que a construtora teria “plenas condições” de entregar a obra conforme o contrato firmado. Isso não teria acontecido, diz ele, apenas por um motivo: a interrupção dos pagamentos devidos à Incal, determinada por uma liminar judicial. Monteiro de Barros acusa o presidente do TRT de São Paulo, juiz Floriano Vaz da Silva, de ter rescindido o contrato com a Incal de modo “arbitrário e unilateral”, o que teria acontecido, diz ele, “em seguida à visita ao prédio do senador Antônio Carlos Magalhães”.
Assim , ao final de 2000, eu deixava de assessorar a BSC, convicto de ter esgotado todas as opções para a manter em funcionamento , sem contacto com Fábio M.B. – foragido, preso, envolvido com o processo do TRT – deixando a empresa nas mãos de um empresário , com quem o Fábio M.B. se envolvera naquele negócio em 1994.

Mas as atribuladas estórias da BSC me incomodariam na paz de espírito durante bastante tempo, pelo receio das implicações jurídicas em que ela estaria envolvida, uma vez que toda a confusão acontecida após 1998 me deixava dúvidas sobre o que eu supunha serem verdades !
Mas, com a saída da BSC , eu deixava também de ter ocupação profissional ! E aumentavam as minhas preocupações com as reservas financeiras acumuladas até ali, tendo de prover com elas ao resto das nossas vidas, minha e da Tininha ; qualquer hipótese de aposentadoria era muito remota, eu tinha pouco tempo de contribuição em Portugal , no Brasil tinha feito a opção de não contribuir como autônomo. Muitas contas eu fazia, durante os tempos na BSC, sobre esses recursos, a venda do apartamento da Estela e um sonho : o de poder levar a Tininha em viagem a Paris, no 40º aniversário de nosso casamento – agosto de 2001 - não apenas um presente para ela mas um recordar para ambos dos tempos em que a Vida apenas começava para nós ! O apartamento da Estela seria vendido em fevereiro de 2001, a viagem a Paris ficaria apenas comigo, melhor nunca a referir !
Passo a ter a vivência dos meus dias por inteiro na Washington Luis , com tempo para observar o Mundo pela tela do computador e mais me absorver ainda com o pensamento nas atividades dos meus Filhos , cada um na sua Viagem , todos querendo igualmente serem independentes e certamente também desejando demonstrar para si mesmos a capacidade interior de triunfar , no mesmo processo que eu fizera , na repetição dos passos de um aprendizado que também para eles irá ocupar toda a Vida.

O João António dava vida ao sonho de construir um bom Colégio, em Criciúma, Santa Catarina ; ainda, tinha adotado um bébé em 3 de março de 1997, o Felipe , que se tornara sua inteira paixão e absorvente ocupação pelos cuidados que sozinho lhe dedicara até seu novo casamento só alguns tempos depois . Deste seu casamento, o João já tinha uma filha, a Pietra, nascida em 25 de maio 2000, que tinha vindo aumentar os seus cuidados , sua paixão e seu encantamento.

O Pedro Jorge, já casado, trabalhava com o João António, na administração daquele Colégio, complementando habilidades , dando êxito à construção de um sonho que sem ele quase certamente não se obteria .

A Helena Paula era uma mulher corajosa, vencera os seus medos de criança, não dava razão alguma aos nossos temores de muitos anos de educação e observação , talvez apenas por demais estressada , assoberbada pelas responsabilidade do casamento e de dois filhos, o Rodrigo , meu primeiro Neto, nascido em 7 de abril de 1991 , e o Guilherme, nascido em 19 de outubro de 1993.

A Olga Maria tinha trabalhado no restaurante de um Shopping , em São Paulo, trabalhava agora num Hospital , também em São Paulo , como auxiliar de enfermagem , recusara as atividades nos nossos restaurantes , procurava o seu caminho.

O computador só me aparecia agora ! Que longo caminho desde o Atari 2600 , que em 1983 me levara a partidas apaixonadas com os Filhos e a Tininha, primeiro jogando a bolinha de encontro a uma estática parede, depois no comando de um barquinho que viajava por um rio de aventuras ! Agora eu tentava descobrir, sozinho , os difíceis segredos do Windows 1995, depois os do 1998, e imaginava quanto eu me teria beneficiado na vida profissional com esta maravilha ! Naquele Projeto da Cosipa tinha feito dezenas de planilhas de cálculos repetitivos, que me levaram dias de extenuante trabalho , com o computador teriam sido horas !
Do meu canto, na frente do computador, como quando criança na janela do meu casarão, eu agora assistia ! Pela tela daquele ou da TV, às vezes pelo telefone, as notícias chegavam, explodiam, me assustavam , também me divertiam .
Setembro, 11, 2001, manhã, parecem cenas da montagem de mais um filme ! Dois aviões se chocam contra os prédios do World Trade Center em Manhattan , Nova York ! Os vôos 175 da United Airlines e 11 da American Airlines são atirados contra as duas torres, gémeas , 110 andares cada, que desabam numa enorme nuvem de poeira que parece querer sair pela tela da TV, sujar as nossas salas e as nossas mentes, na dolorosa incompreensão que provocam sobre o entendimento dos atos do Homem . Outro vôo se choca contra o Pentágono , Virginia, ainda outro explode no solo, um total de mais de 3200 vitimas , mais do que as perdas no ataque à base naval americana de Pearl Harbor , em 1941 !

Em 1 de janeiro de 2002, Portugal aderia ao Euro, a moeda da Comunidade Econômica Européia que desde 1999 já vinha sendo utilizada como moeda escritural , nas relações interbancárias . O escudo , moeda desde 1914, a minha moeda , é aposentado , extinto !

« Com a vitória nas eleições presidenciais de 27 junho 1976 , Ramalho Eanes estabelecia em 23 de setembro o 1º Governo Constitucional , que tinha na presidência Mário Soares.
O Tesouro estava exausto, os quadros tinham saído do país, as despesas públicas tinham aumentado para níveis considerados inadmissíveis, o desemprego era preocupante, a inflação fazia sentir os seus efeitos, os juros atingiram os 35%. A debandada de África tinha colocado no País mais de quinhentas mil pessoas desorientadas, tristes, descontentes por uma situação que eles não mereciam. Os filhos de muitos colonos tinham nascido naqueles territórios e muitos dos descendentes eram de cor mostrando que nenhum complexo de pele ou de mentalidade os dividia.
Mário Soares tenta fazer sair o País da crise. Vendo que o PS, sozinho, não consegue resolver as dificuldades, contra todas as expectativas, junta-se ao CDS de Freitas do Amaral, para formar o 2º Governo Constitucional. Inesperadamente, os Centristas romperam a coligação apesar do Dr. Mário Soares oferecer quase tudo quanto pretendiam para se manterem num Governo que era de aprovação da maioria dos portugueses e que produziu trabalho muito válido.
Ramalho Eanes resolve formar um Governo Presidencial. Acaba por formar três, chefiados por Nobre da Costa, Mota Pinto e Maria de Lurdes Pintasilgo.
Em 1979 o PPD e o CDS juntos vencem as eleições. Formam a Aliança Democrática (AD). É escolhido Sá Carneiro como Primeiro-Ministro. O país começa a recuperar e tudo parece caminhar no bom sentido mas, Sá Carneiro, tal como já tinha acontecido com Mário Soares, entrou em confronto com Ramalho Eanes e decidiu não o apoiar para as Presidenciais. Infelizmente, Sá Carneiro e o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costar, faleceram num desastre de aviação. Ramalho Eanes acabou por ser reeleito.
Em 9 de Janeiro de 1981, o 7º Governo Constitucional é presidido pelo Dr. Pinto Balsemão.
Em 1982, na primeira revisão constitucional da Constituição de 1976 , foram eliminadas as referências à transição para o socialismo, às relações de produção socialistas, ao poder democrático das classes trabalhadoras, à transformação de Portugal numa sociedade sem classes, à abolição da exploração do homem pelo homem.
Ao substituir o princípio da propriedade coletiva dos principais meios de produção pelos de uma economia mista, embora baseada num núcleo essencial de empresas que não poderiam ser (re)privatizadas, ao determinar que deixava de ser tarefa do Estado apoiar as experiências de autogestão e ao limitar o alcance da reforma agrária, a maioria na Assembleia da República inviabilizava a base material de uma sociedade socialista, como garante da concretização dos direitos e deveres econômicos, sociais e culturais das classes trabalhadoras.
Também , foi suprimido o Conselho da Revolução.
Sem o chefe carismático que era Sá Carneiro, a AD acaba. Em 1983, Mário Soares, forma, de novo, Governo em coligação com o PSD. É o "Governo do Bloco Central".
A situação do país continua grave. O problema dos desalojados de África ainda não está resolvido. A maioria das empresas, tanto públicas como privadas, encontram - se em situação difícil. Mário Soares pede estabilidade política, mas o Presidente da República e o Primeiro Ministro detestam-se mutuamente.
Aparece um novo partido político, o PRD.
Em 1 de Junho de 1985, Portugal entra na Comunidade Econômica Européia , CEE.
Ramalho Eanes, mais uma vez, decide dissolver a Assembleia da República a 27 de Junho de 1985. Volta a instabilidade.
Hermínio Martinho que está à frente do PRD, declara que Ramalho Eanes será o presidente do partido no ano seguinte.
Em 1985 o PSD ganhou as eleições legislativas. O Professor Aníbal Cavaco Silva, que já tinha sido Ministro das Finanças, foi empossado como Primeiro Ministro.
Em 1986 é eleito Mário Soares como Presidente da República. O Governo de Cavaco Silva pode governar com a estabilidade que os anteriores não conseguiram. A recuperação do país torna-se evidente. Os fundos estruturais da Comunidade Europeia são um suporte precioso.
Mas o PRD, agora com Ramalho Eanes, força a queda do Governo através de uma moção de censura. Foi um desastre. O PSD sai reforçado das eleições e Cavaco Silva, foi de novo, empossado como Primeiro-Ministro.
Otelo, o estratega do 25 de Abril, é condenado a 15 anos de prisão por pertencer às FP 25 de Abril, as quais tinham cometido atentados, assaltos e algumas mortes. Cumpre pouco mais de um ano de prisão.
Em 1991, Mário Soares volta a vencer as eleições para a Presidência da República. Cavaco Silva continua como Primeiro-Ministro. Portugal entra no ritmo europeu. O desenvolvimento começa a processar-se segundo os padrões da Europa evoluída.
Em 1995 o Partido Socialista vence as eleições Legislativas. António Guterres é empossado Primeiro-Ministro.
Em 1996 é eleito Presidente da República Jorge Sampaio.
A nova moeda portuguesa e europeia, o EURO, vai tornar-se realidade, com o valor facial de 1, 2, 5, 10, 20, 50 cêntimos e 1 e 2 euros, em moeda metálica. As notas terão o valor de 5,10, 20, 50, 100, 200, 500 euros e serão comuns em Portugal, Espanha, Itália, França, Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Irlanda e Finlândia. A Dinamarca, o Reino Unido e a Suécia decidem ainda não adotar o euro.
O SEBC (Sistema Europeu de Bancos Centrais) passa a dirigir toda a política monetária e o BCE (Banco Central Europeu) passa a controlar a emissão das notas em todos os Estados membros »

31 de maio de 2002 , é iniciado o Campeonato Mundial de Futebol, pela primeira vez disputado em dois países, no Japão e na Coréia do Sul. O Brasil jogará no dia 3 pelas 6,00 horas com a Turquia .

2 de junho de 2002 , domingo, pouco passa do meio dia . O telefone toca , uma voz desconhecida, preocupada. Quer dizer alguma coisa, hesita . Aquela mão do Destino que nos acompanha ! ou não ! está presente naquela manhã , incompreensível ! A voz consegue falar , dá a notícia . Morte do João António, do Filho mais velho ! Na minha cabeça explodem as lembranças daquela noite difícil na Maternidade em Quelimane, do primeiro banho , das brincadeiras sobre a cama do quarto no hotel desabitado do Gurué , que me enchiam as tardes depois dos dias desanimados no Quartel ! A incompreensão do momento me deixa estático, não sei como diminuir a dor da Mãe, da Tininha, não sei o que fazer , como agir , como aceitar ! Vamos de carro para Curitiba ao encontro da Helena Paula, seguimos na manhã seguinte de avião para Caxias do Sul , um professor colega e sócio do João no Colégio nos leva de carro para Bento Gonçalves , residência do João e local do acidente.

O João perseguia sonhos ! O motociclismo era um deles . Naquela manhã de domingo o sonho o perseguiu ! Por forma fria, inexplicável, implacável.O seu encontro definitivo com o sonho estava ali na pista do autódromo , um amigo ,também professor, também jovem, decidia ligar a sua moto e atravessar a pista , poucos metros , perpendicularmente, para onde estavam as esposas e os filhos dele e do João . Despreocupado, o Destino o empurrava para a frente do caminho do João , que acelerava ganhando por menos de um palmo a dianteira de seu competidor , sua última e inútil vitória . O choque é definitivo para os dois , o terceiro se salva, aquele menos de um palmo tinha sido a sua vitória real !

Os discursos de louvor, as palmas de tantos amigos ali presentes, professores e alunos , o roncar das motos em despedida , a imagem ali do Pedro Jorge, irmão mais novo que assumia os negócios no Colégio, a continuidade do sonho do João António , que nele continuava vivo, nada podia naqueles momentos ultrapassar a minha dor . Pensava que aquela mão do Destino que nos acompanha ! ou não ! também podia ser incompreensivelmente dolorosa .

Texto escrito pelo Prof. Guido

< Ele tinha um sonho Trouxe um amigo e um irmão para juntos compartilharmos deste sonho . Seu nome era Tom. Criativo , resoluto, personalista : um homem além do seu tempo. Vivia a imaginar coisas que hoje sabemos que não eram sonhos. Às vezes nós o chamávamos de sonhador. Quem não tem a mesma visão do futuro não entende quem a tem . Seu nome era Tom. Ele dava o tom do nosso grupo. Nós começamos a nos afinar pela sua música. Tom era um otimista . Um sonhador . Imaginou um colégio em que as coisas funcionassem bem e sempre. Imaginou professores que mostrassem uma única preocupação : seus alunos . Imaginou alunos que gostassem de acordar cedo para ir para o colégio. Seu sonho se fez real. Hoje nós nos despedimos para sempre dele . Em Bento Gonçalves, estávamos pela última vez juntos. O amigo Jerry ( apelido que o Tom imaginou, para o seu melhor amigo ) , o irmão mais novo Pedro ( que ele trouxe para organizar seus sonhos ) e o amigo velho ( a que ele respeitava e que, às vezes , servia de âncora para os seus vôos ) . Gostava de pára-quedismo, mergulho e moto. Era um radical. Um atleta radical. Uma personalidade radical. Hoje nós o enterramos. Entramos no carro e voltamos os três. Havia um lugar vago no banco de trás e um enorme vazio em nossos corações. Não tínhamos mais o Tom. Perdêramos o Tom. Estávamos irremediavelmente desafinados. À medida em que os quilômetros que nos separavam de Criciúma eram vencidos , começamos, cada um a seu jeito, a falar dele, a senti-lo conosco, a vê-lo ocupar o espaço vazio do carro e o buraco de nossos corações. Sentíamos – nos homens diferentes dos que foram a Bento Gonçalves com a ingrata missão de sepultar um amigo. Deixamos um corpo em Bento, mas trouxemos o amigo, o exemplo, o sonhador, o radical em cada um de nós. Hoje sou menos velho, o Pedro é mais sonhador e o Jeryy é menos pé-no-chão. Ele não nos deixou. Ele se apoderou de parte de nós e, sabemos, somos o instrumento para continuar suas idéias, suas visões, seus sonhos. Somos hoje mais sonhadores. Somos mais você, amigo-irmão.
O colégio que você imaginou para Criciúma , Tubarão e Araranguá é uma realidade. E não pararemos aí, pois sabemos o que você quer que façamos. Nossos alunos, professores e funcionários conheciam você muito bem e , temos absoluta certeza, conseguiram reconhecer um pouco de você em cada um de nós. Obrigado, amigo , por repartir conosco sua grandeza . Obrigado, amigo, por mudar cada um de nós . Éramos quatro antes deste domingo, em que a fatalidade levou você do nosso convívio. Éramos três após o seu sepultamento, mas a viagem , a estrada , o seu lugar vazio no meu carro , fizeram de nós mais do que somos . Ainda somos quatro. Ainda somos afinados. Afinados por você , amigo-irmão Tom . Seja feliz na sua nova vida. Mostre para todos que vierem a conhecê - lo que você continua a sonhar e a inspirar com seu sonho estes três irmãos que aqui ficaram. Até um dia , garoto >

A Vida é sombra que passa ! Mas os sonhos a realizam , o João António tinha corrido atrás dos seus sonhos ! Na minha memória para sempre ficaria a Criança , depois o Jovem , compenetrado, inteligente, amigo, em quem eu podia confiar nos cuidados aos Irmãos, me orgulhando e me motivando na minha Viagem .

Aquela Copa do Mundo de Futebol não teria mais interesse , o Brasil seria pentacampeão , a minha perda continuava dolorosa , inexplicável.

Mas a Vida sempre continua , os sonhos podem perpetuar-se ! Em 12 de julho, nascia a Carla, filha do Pedro e da Virginia, vinha para ajudar o pai a continuar o sonho do tio . E em 30 , nascia o João Gustavo, terceiro filho da Helena Paula e do Jefferson , tendo no nome a recordação para sempre do tio que nunca conheceria, talvez para continuar algum dos sonhos dele !

1 de janeiro de 2003 , finalmente Luis Inácio Lula da Silva , do PT , é eleito Presidente do Brasil, culminando uma perseguição a esse cargo iniciada em 1989 !

« Nordestino, pobre e analfabeto. Para a maioria que nasce dentro dessa realidade, uma sentença irreversível. Para Luiz Inácio Lula da Silva, apenas um desafio, que se traduziu, anos mais tarde, em uma grande conquista. Pela primeira vez na história da política brasileira um representante legítimo do povo chega à Presidência da República.
O caminho foi longo. Foram 13 anos de tentativas em quatro eleições consecutivas . O PT de 2002 se apresenta agora com um Lula diferente. O discurso do candidato mudou e já não prega ostensivamente os valores das eleições passadas. A idéia de um Brasil socialista foi abandonada como projeto imediato. Deixaram o radicalismo de lado, fizeram parcerias antes inimagináveis e agora, com um discurso mais moderado, ganharam o Brasil. Um País inteirinho, com suas maravilhas, problemas e desafios.
A promessa agora é de um governo de esquerda para combater a miséria, melhorar a educação do povo e organizar um sistema educacional e produtivo que proporcione oportunidades a todos de acordo com as capacidades e habilidades de cada um. Aos que ainda temem um governo radical e de ruptura, Lula aponta as administrações petistas estaduais e municipais como exemplo e diz que se preocuparam em cuidar honestamente dos recursos públicos e em atender prioritariamente as demandas populares »

Ironicamente , eu me lembrava do meu primeiro Chefe naquela Aciaria do Seixal ! Fascista , de atitudes e ações claramente protetoras dos interesses patronais, fazendo desse comportamento uma forma de ascensão, mesmo jogando para fora colegas de não menor valor técnico que o dele ; mas soube « apanhar o bonde » naquela Revolução dos Cravos - como ele próprio nos afirmou , previamente ! – e chegar à Diretoria da Fábrica, depois de inflamados discursos marxistas nas terras do Alentejo em que se tentava a reforma agrária compulsiva !
Que pena a memória do povo ser tão curta !

Outra manhã, outra vez o telefone toca, a Helena Paula me comunica a morte de meu Pai ! 23 de outubro de 2003, 96 anos, em casa , dormindo, minha Mãe ficava sozinha, 94 anos , na casa da Póvoa de Santo Adrião , bem próxima a Lisboa. Eu deixara de ter notícias de meus Pais , infelizmente os continuados desgastes tinham levado ao meu afastamento , forma de esquecer as mágoas de tantas situações de conflito, de críticas, de ofensas e humilhações. Aquela passagem em Lisboa, 1979, tinha provocado um corte definitivo, eu havia firmemente decidido esquecer. Mas a imagem de minha Mãe sempre estava comigo , naqueles santinhos por ela colocados na minha bolsa antes do meu embarque para Moçambique, em 1961, que me acompanhavam a partir daí por onde quer que eu estivesse ! Uma forma também de indiretamente lhe pedir perdão pelo sofrimento da relação com meu Pai , que ela abnegadamente aceitava, a que eu fugira .
A Helena Paula sempre mantivera contacto com meus Pais, agora tinha recebido telefonema de uma vizinha de minha Mãe , me ligara então. A idéia de minha Mãe sozinha me atormenta , as informações da vizinha não são boas ! Penso que a Olga Maria pode ir a Lisboa, ela tinha estado lá anos atrás, visitando minha Sogra , mas não tem passaporte . Estranhamente , eu e a Tininha tínhamos renovado os passaportes , meses antes – apenas por renovar , não pensávamos viajar ! - aguardávamos os avisos pelo Consulado de Portugal , São Paulo , para os levantarmos. Que poderiam demorar até 6 meses, talvez janeiro. Mas os avisos chegam ! , temos os passaportes, 7 de novembro, decido irmos, eu e a Tininha , as dificuldades financeiras ficariam para depois.
Desembarcamos em Lisboa, manhã de 13 de novembro , quinta feira, 21 dias após a morte de meu Pai. Do Aeroporto da Portela até à Póvoa de Santo Adrião , táxi , apenas penso na forma como minha Mãe me receberá , a emoção, imagino os riscos , a cidade não me distrai.
A Tininha sobe na frente , para aquele 3º andar , direito, me escondo na escada . A minha Mãe atende , primeiro eu ouço, depois subo , falo. A minha Mãe não se mostra emocionada, carregamos as malas para dentro de casa , sem comoção, sem abraços, não há lágrimas. Falamos de meu Pai, mas ela não se altera, que ele saiu pela manhã , deve estar chegando ! Em tudo minha Mãe parece normal, embora com 94 anos a saúde lhe permite andar normalmente pela casa, trabalhar, se referir à vizinha, que ela chama gritando da janela da cozinha dando para as traseiras da casa da outra . Mas se comporta como se fossemos visitas !
A casa está em estado deplorável ! Tudo está envelhecido pelo tempo , pela falta de cuidados próprios , que se manifesta no odor que preenche a casa e entra enjoativamente em nós ! A geladeira de há muito não deve funcionar, a minha Mãe diz que está excelente , ela já tinha dito para o meu Pai que não precisava trocar ! A TV tem uma imagem de todo enevoada, tremendo, preto e branco , a antena interna é insuficiente , o aparelho velhíssimo – mas minha Mãe refere que o meu Pai diz que o problema é dos programas , a imagem deles é essa mesmo , não prestam !Os móveis são ainda aqueles da minha Tia, recebidos por herança , eu mal passara dos dez anos ! O banheiro é indescritível ! ele é interno , a ventilação não funciona certamente há muito tempo , o consumo de água ali deveria ser baixíssimo !

O meu atordoamento é grande , não previa o que encontrara.Vou falar com a vizinha, dona de pequeno supermercado no prédio ao lado, ela e o marido conhecedores dos meus Pais desde que estes tinham ido para ali, comprando o apartamento com o dinheiro recebido pela saída do casarão, na Santa Marta . Simpáticos, nos contam das dificuldades de relacionamento de meu Pai com todos os moradores ; do auxílio que sempre prestaram a minha Mãe, por serem vizinhos e por terem o supermercado, onde minha Mãe sempre fazia as compras ; sabem da minha passagem na casa de meus Pais muitos anos atrás, meu Pai contara para eles do seu profundo arrependimento pelas palavras – fatais ! - que me dissera nesse dia !
O Tempo não volta para trás ! O meu afastamento de meu Pai , e em consequência da minha Mãe , tinha acontecido milímetro após milímetro desde a minha infância , o meu casamento, o meu regresso de Moçambique, o dia do meu último exame e nascimento da Helena Paula, aquela última passagem por Lisboa ! Casos e casos que me foram insensibilizando , fazendo preferir o afastamento em vez da nova ofensa, esquecendo da falta de apoio que eu nunca tivera. Podia ter sido diferente ! Mas eu não o saberia como !
Agora em Lisboa, tenho que correr para obter a legalização junto à Fazenda, ao Banco , minha e da Tininha . Me informo, irei começar no dia seguinte , sexta feira, decido ficar nessa noite em casa de minha Mãe, não penso nas dificuldades daquele apartamento , ainda não raciocino claramente pelo cansaço e a emoção . Começo da noite , estamos na sala, de novo minha Mãe nos atende como visitas, se indispõe quando entende que vamos ficar ali, que não deixa , o Joaquim não vai querer ninguém aqui em casa quando chegar , chama a vizinha pela janela da cozinha .
A vizinha tenta acalma - la , procura explicar que sou o filho dela, a nora. Minha Mãe reage, está claramente lúcida , não, não sou o filho dela, o filho dela era um moço direito, não eu , de meia barriga, cabelos brancos ! Quer chamar a polícia, se for preciso, o Joaquim deve estar chegando !
Pego as malas , desço as escadas, entendo a situação, na verdade eu tinha perdido o direito de estar ali ! Procuramos um hotel , o táxi nos leva até à Avenida Defensores de Chaves, Pensão Residencial Canadá .
Os acertos na Fazenda e no Banco são demorados , os trâmites desconhecidos para nós . Nos ocupam a sexta feira .

Sábado, começamos a pensar como levar a minha Mãe para o Brasil, documentos necessários ; mas até lá, ela precisa regular a situação no Banco, assinaturas , mais documentos. Aquele apartamento também precisa de uma grande limpeza, desinfeção , tirar todos os carpetes, apodrecidos, substituir TV, geladeira, fogão . Tem um vazamento grande no banheiro, o inquilino do 2 º andar se queixa há muito tempo. Pedimos àquela vizinha prestável que contrate uma empresa para esses serviços, nos diga a data, urgente , procuraremos tirar a minha Mãe do apartamento , não sabemos como, teremos uma idéia.

Vamos reconhecer Lisboa , sair dali da Defensores de Chaves até ao Liceu Camões – que não existe mais ! - descendo o Conde Redondo – onde já não passam os bondes ! – até à Rua Santa Marta, rever os locais das brincadeiras de infância, a varanda do 1º andar de onde eu me debruçava para ver o mundo .
Como tudo ali está envelhecido , abandonado ! Os prédios têm as fachadas descascadas, sujas, janelas apodrecidas ; muitos estão vazios, trancados . As ruas estão maltratadas , o empedrado está gasto . As lojas têm um aspecto soturno, pobres, tristes como todo aquele ambiente . No meu casarão ainda a mesma loja na entrada – Flora Santa Marta – e no 2º andar a Liga de Cegos ! Na rua ao lado, a Travessa do Despacho, as casas no início da subida estão fechadas, desabitadas .
O Tempo deixou ali marcas muito profundas, retirou a alegria, o colorido, trocou por fantasmas.
Subimos a Barata Salgueiro , vamos para a Avenida da Liberdade . A imponência desapareceu , não é mais o cartão postal de Lisboa ! Ela é larga, as árvores estão lá, frondosas, mas os jardins estão maltratados , quase abandonados , os bancos e as calçadas estão velhos, descuidados, muitos prédios têm o mesmo ar triste, destruído, daqueles da Rua Santa Marta, os cinemas são apenas fachadas descoloridas, inúteis, e embora alguns prédios e galerias tenham sido construídos, modernos, aqui e ali se descubram algumas lojas de luxo, a Avenida das minhas tardes de juventude , das corridas pelas calçadas entre os bancos, das risadas com os amigos, com a minha prima, o meu Pai e o meu Tio , não era aquela que eu agora observo ! Também por ali o Tempo deixou marcas .
Telefonamos para o Benardino, a Domicilia . Moram ao Príncipe Real , Rua Nova do Loureiro, 63, 1 º . Ultima reminiscência conhecida de nossas Famílias , ele era um jovem que havia sido cuidado pela minha Sogra, quase como irmão da Tininha , já morando naquela casa durante o nosso namoro , casado .
Iríamos vê-los naquela tarde, domingo , 16, depois de almoço. De manhã , vamos conhecer um Shopping , inexistente quando aqui morávamos. Vamos para o Centro Comercial Colombo, na Avenida Lusíada , é muito recente , de 1997. Vamos de metrô, saímos na Estação da Luz . O Shopping tem uma estrutura arquitetônica pesada , luxuosa . Percorremos as lojas, observamos geladeiras, fogões, TV , que queremos comprar para substituir aqueles do apartamento da minha Mãe . Vemos os preços, não compramos, não sabemos a data de entrega, tem a necessidade da obra . Almoçamos – péssimo bacalhau ! – vamos para a casa do Benardino.
Ao chegar , recebemos os pêsames pela morte de minha Mãe , não , dizemos, quem morreu foi o meu Pai ! Algum desconforto da parte deles, achamos natural, é um reencontro depois de 1976 ; as estórias dos dois lados passam então a ser repassadas , dolorosas pelos anos que passaram por nós, mais para eles que têm marcas físicas mais profundas , também na força de ânimo.
Notícias da minha Sogra , sabemos da sua estadia em Aveiro, em casa de uma prima da Tininha . Ela tinha querido regressar a Portugal, após a morte de meu Sogro , tinha ânsia de viajar, a casa da Washington Luis e o pouco movimento de Sorocaba não a agradavam . A convivência com a Filha, a Tininha, nunca tinha sido boa, talvez cobrasse através dela a aridez do seu casamento, ofendendo-a com situações de baixa teatralidade e mau gosto em todas as oportunidades que podia . Ainda namoro, eu me insurgira contra esse tratamento, mesquinho, às vezes até tétrico , lhe mandara uma carta pedindo civilidade ! Depois, com o casamento, os netos, o seu ânimo teria melhorado , as nossas relações pareciam normais, substituía para mim a minha Mãe nos cuidados que me demonstrava . A doença do meu Sogro, a proximidade da sua morte, fez reviver o seu azedume, talvez a liberdade que finalmente ia ter a tivesse levado aos comportamentos tétricos de outrora ! Em pouco tempo, as situações descaminharam para o inaceitável, eu não podia impedi-la de voltar a Portugal ! Mas podia –lhe manifestar o meu profundo descontentamento, mais ampliado pelo muito respeito e amizade que eu tinha tido pelo meu Sogro .

E nos contam da sua morte aos 94 anos de idade, em 3 de junho de 2002, dia seguinte ao da morte do seu neto mais velho, o João António , dia do enterro ! Aquela mão do Destino que nos acompanha ! ou não ! , simples coincidência ? Os passos dos portugueses repetem as letras do Fado, ou será ao contrário ?!

O genro do Benardino tem uma livraria, no topo da rua da casa dele , em pequena curva após a subida , nos convida para conhecer. Ficamos depois em conversa , na porta da loja ; com naturalidade , o Benardino fala da morte da minha Mãe, eu corrijo, ele insiste. Tinha sabido pela Helena Paula, ela tinha ligado do Brasil para ele , nos procurando, aquela vizinha tinha ligado para ela dizendo que a minha Mãe morrera naquela manhã de domingo , não sabia como nos contatar , tinha ligado para a Pensão, nós tínhamos saído ! A noite cai rápido no outono , em Lisboa , o Benardino e a Domicilia nos levam no pequeno carro dele para a Póvoa de Santo Adrião, para o velório onde está o corpo de minha Mãe , já noite , velório vazio !
Aquela mão do Destino que nos acompanha ! ou não ! mais uma vez ! Minha Mãe tinha morrido sem se aperceber da morte de meu Pai, também dormindo , aos 94 anos de idade, não me tinha reconhecido, finalmente conquistava a sua Paz . Eu apenas fico ali, as lembranças me remetem ao velho casarão , na Santa Marta ! Eu estou sentado na cadeira , encostado à tosca mesa da cozinha , ouço a voz da minha Mãe , falando com minha Avó, eu ainda não tenho quatro anos ! Então o meu mundo só estava naquele espaço, podia ter sido diferente a trajetória que me levara dele até àquela noite, na frente da minha Mãe , sem lhe poder falar da minha profunda tristeza por não ter sido capaz de suportar , como ela o fizera , o caráter destrutivo do meu Pai.
Mais documentos, banco, registro de imóveis, fazenda . O dono da Funerária nos propõe comprar o apartamento, o valor que oferece é muito baixo, mas à vista, o apartamento precisa de uma grande reforma , na situação de espanto e dor em que ainda estou, aceito, quero voltar depressa ao meu refúgio no Brasil , na Washington Luis . A moça que nos atende também processa os documentos para a Segurança Social , o INSS em Portugal, obrigação daquela casa perante o Estado ; falo da minha situação de antigo pensionista, completo 65 anos em janeiro próximo , ela acha que posso ter direito a pensão ! Preencho os papéis necessários, deixo – os com ela .
Viemos com as passagens de regresso em aberto, vamos ao Aeroporto procurar marca-las para imediato. A senhora que nos atende no balcão da TAP tem o mesmo comportamento desinteressado - e mal educado ! - que nós estávamos observando ser agora normal em Portugal : só para março, até lá nem na lista de espera tem vaga ! Os meus olhos devem ter falado alguma coisa, em poucos minutos tínhamos passagens para o dia seguinte, 20 de novembro ! Não ficava com saudades de Portugal, mais uma vez !
Mas teria que voltar a Portugal , ficavam por resolver os documentos da venda do apartamento .

O ano de 2004 seria marcado por dois eventos desportivos, o Campeonato Europeu de Futebol, em Portugal, com início em 12 de junho e último jogo em 4 de julho, e os Jogos Olímpicos, em Atenas, com início em 13 de agosto.
O Pedro Jorge queria nos acompanhar , tinha rompido o seu casamento recentemente, ajudaria a distrair . Marquei a nossa saída do Brasil para 12 de julho , iríamos a Lisboa, depois Paris, pensava alugarmos um carro e visitarmos a Bélgica e a Holanda , estaríamos no Brasil em 2 de agosto .
O Serviço Público português , assistência social, é eficiente ! No início de março, recebo comunicado sobre o deferimento do meu pedido de pensão, concedida a partir de janeiro ! O valor é muito pequeno, mas vai ajudar a pagar o plano de saúde .
Uma tarde de maio nos visita o pedreiro que havia participado da primeira obra na casa, após a compra, e que ao longo dos anos passara depois a fazer nela todas as pequenas obras necessárias, no quintal e principalmente no telhado . Ele tem um filho , está trabalhando na obra de um telhado, vai ficar disponível dentro de dias . Pergunto como resolver o problema do telhado da casa, fazer a substituição, me entusiasmo, decido fazer a obra , é na verdade indispensável, quando chove a água entra em volume dentro de casa , pelas luminárias de teto dos quartos e banheiros !
Esse pedreiro forma uma equipa , começa a obra de substituição do telhado. Logo deparam com a necessidade de trocar toda a fiação elétrica , está apodrecida , também a caixa de água está com risco de vazamentos, velha, é melhor substituir ! Em vistoria pela casa , encontram as portas com cupim, os armários embutidos também, eu penso que então será melhor trocar também aqueles horríveis azulejos dos banheiros e da cozinha, substituir também as janelas porque dão imenso trabalho à Tininha , têm persianas que precisam ser lavadas de tempos em tempos , a Tininha já não tem idade para andar sempre subindo aquele escadote !
A obra de substituição do telhado se transforma numa grande obra de reforma envolvendo toda a casa , obrigando a um complicado jogo de continuada mudança dos móveis e tudo o mais de um para outro quarto, a descobrir onde montar o fogão e a mesa para almoçarmos e jantarmos, onde colocar a cama e a televisão para as noites, o computador para não perder a ligação com o mundo ! Ainda , sem sujeira visivel, sem pó ! E , como seria esperado, o telhado está desmontado, ainda não substituído, começa a chover , forte, início da noite !
Corremos para acabar todas as obras dentro de casa, colocar móveis novos, pendurar quadros na parede , a fim de sairmos para a viagem a Lisboa, deixando a equipa dos pedreiros na obra do quintal, fora de casa , onde entretanto eu descobrira que se podia fazer uma piscina e colocar a área de serviço, melhorando a área interna ao lado da cozinha !

Em Lisboa vamos de novo para a Pensão Residencial Canadá , é agradável, o local excelente , a diária aceitável. Portugal tinha chegado à final do Campeonato Europeu, perdera para a Grécia , mas Lisboa estava ainda engalanada , a vibração patriótica tinha sido expressiva . A cidade no Verão ganha uma luminosidade que a embeleza . Do alto da Avenida , no Parque Eduardo VII, o Tejo tem as suas águas brilhando como uma mancha prateada entre as colinas e o fundo na outra margem, ressaltada pelo Cristo Rei . A Avenida nos leva até à Rua Santa Marta, lá está o meu casarão, agora feio, desolado pelo abandono de toda aquela região de Lisboa , que não tem mais a vida dos feirantes, dos pregões que a enchiam . Não há ali beleza para mostrar para o meu Filho mais novo , nenhuma alegria da minha juventude ! Os prédios, as lojas , estão envelhecidos, escuros, tristes . Mas tal como em mim , também ali a Vida já fora mais forte, ali pulsavam cores , sons e aromas , alegria , que se misturavam e subiam para a janela do meu casarão , me fazendo sonhar com locais distantes, talvez aventuras, talvez só moinhos de vento.
O Benardino nos espera no Alto de Santa Luzia, magnífico miradouro sobre a cidade, nas costas de Alfama, próximo das muralhas do grande Castelo de São Jorge .

A casa dos Avós da Tininha permanece a mesma , Rua da Oliveirinha, 26 , a rua estreita, inclinada . Dela, os Pais da Tininha saíram para Pombal , a Tininha com 3 anos, as saudades ficaram por Alfama.
Em casa, na Rua Nova do Loureiro, o Benardino reservou algumas surpresas para nos dar ! Um pequeno disco em vinil , 45 rotações – anos 50 ! – que eu e a Tininha adorávamos ouvir quando o visitávamos , tempos de namoro, ensaiando alguns passos de dança, eu desajeitado e envergonhado ! Sara Montiel , Sarita , espanhola, belíssima, canta nele « La violetera » , música de um filme de 1958 que me encantara !
« Como aves precursoras de primavera
En Madrid aparecen la violeteras
Que pregonando parecen golondrinas
Que van piando, que van piando

Llevelo usted señorito
que no vale mas que un real
compreme usted este ramito
compreme usted este ramito
pa' lucirlo en el ojal »

Outra surpresa, uma foto tirada nas escadas da casa da Fábrica em Pombal, o João António com uns 3 anos, sentado nos meus joelhos, toda a Família ocupando os degraus , o Benardino bem na frente !

Simples coisas , que nos comovem , porque ao nos apresentar um Passado nos lembram de uma Vida .

Alugamos um carro, vamos passar por Setúbal, pela frente do apartamento em que estivémos , andar no centro da cidade , visitar o mercado . Como tem caracóis para vender, grandes , pequenos ! Vamos até ao Portinho da Arrábida , descemos a pé até à praia , a um restaurante . A encosta está destruída pelo fogo, a praia está feia, maltratada, suja, o restaurante é ruim ! Não é mais um paraíso à beira mar plantado , sucessivos incêndios destruíram o enquadramento de uma das mais belas praias da Europa !

« Se em 2004 Orlando Ribeiro fosse vivo, ficaria com o coração partido. Em Junho desse ano, um incêndio na Serra da Arrábida destruía parte do “mais precioso resto de uma mata mediterrânea primitiva... um dos últimos, senão o último, vestígio de uma mata pré-glaciária do Sul da Europa”. Foi assim que o geógrafo descreveu esta região, na sua tese “Arrábida. Esboço Geográfico”, de 1935 »

De carro, vamos também para o norte de Lisboa, a Santarém, às Caldas da Rainha . O País continua com ar bucólico, quieto, embora a movimentação pelas ruas dos centros das cidades , algumas fechadas ao trânsito, seja às vezes irrequieta, até alegre, mas sempre contida. Mas a grande novidade que eu descubro , estupefato, é a proibição de fotografar dentro de edifícios públicos e mesmo comerciais ! Já me tinham advertido , proibido com ar sério , em Shopping , também no interior da repartição pública em que o Pedro tirava documentos , foto dele e da Tininha postados no balcão de atendimento ; agora , em Santarém , no túmulo de Pedro Álvares Cabral , na Igreja da Graça, de pouca expressão arquitetônica, quase escondida, tem um funcionário convicto do seu papel de guardião daquelas pedras - que escondem sabe-se lá que segredos das viagens ao Brasil ! - que me encara, proíbe fotografar ! Eu obedeço, vontade de não ( que aconteceria ?) , os segredos da Pátria estão salvos mais uma vez ! E eu tenho mais um motivo para me lamentar da qualidade das gentes do meu País .

A Tininha tinha uma amiga de infância, quase família, sobrinha do marido da irmã de minha Sogra . Casada, ele de nome José Manuel , moravam em Algés, próximo a Lisboa, quando saímos para Angola . Pela internet ,telefones de Portugal, eu tinha obtido um número . A Tininha ligou da Pensão, era ela, a Alda ! Ela e o marido vieram - nos buscar na Pensão, de carro, manhã, vamos para a região de Sintra, que ele conhece bem , almoçamos por lá. Os dois estão aposentados, vivem bem , mas a tristeza é visível : tiveram dois filhos, um filho com quem se davam muito mal, uma moça que casara , tivera uma filha , morrera de câncer, o marido morrera também três meses depois ! A neta vivia com os avós paternos, ricos, vinha vê-los de tempos a tempos .

A estória me lembra outra, trágica também , que faz pensar nos desígnios da Vida, nas ações daquela mão do Destino que nos acompanha ! ou não ! Quando voltei na segunda vez ao Seixal, em uma das reuniões com os colegas da Manutenção estranhei o comportamento de um deles, que eu conhecia da outra passagem por lá, por coincidência ele também se chamava Graça, agora distante, omisso, sem qualquer interesse no que se falava . E, pior, observo que todos os colegas se comportavam naturalmente , como se ele não existisse, suprindo as funções que lhe competiam ! A situação é tão anormal, que na saída pergunto a um deles o que estava acontecendo . A resposta me deixa parado, angustiado, atônito ! Casado , tinha um filho, um dia lhe dando banho , junto com a mãe, descobrem nele uma mancha na pele ; vão ao médico, câncer, a criança morre em poucos meses ; a mãe , logo depois, fica doente, câncer , morre , também em poucos meses ! Ele bebia, apagado da Vida, tentava esquecer aquilo que o destruíra .

De Sintra passamos pela praia do Guincho, como eu eles também recordam uma tarde passada ali pelos quatro, antes dos nossos casamentos, com os tios comuns às duas e os Pais da Tininha , tentando fazer uma fogueira para aquecer o almoço ! Era 1960, nós éramos jovens, despreocupados !

Seguimos por Cascais , pela auto - estrada marginal , ao longo das praias , até à Pensão, onde nos deixam , eles têm alguma pressa, vão viajar para o Canadá , viajam frequentemente para fugir das memórias e preocupações.

Manhã bem cedo de 21 , saio da Pensão para chamar um táxi, vamos para o Aeroporto da Portela, vôo da Air France para Paris, Cidade Luz . Procuro por algumas ruas, um táxi pára . Entro , dou bom dia, não ganho resposta, peço para ir para a Defensores de Chaves , é ali próximo, mas vou pegar as malas, família, depois seguiremos para o Aeroporto. Uma rua na frente, eu , julgando ajudar, ser simpático, digo para virar ali à direita. O motorista, voz grosseira, mal educada, me responde - « queria o quê , que eu passasse por cima dos prédios ? » ! Não aguento , ainda é muito cedo para ouvir grosserias de motorista de táxi português ! Digo que encoste, acho que falei mais qualquer coisa , saio do táxi, deixo – o ali , o motorista vociferando , se achando o rei do mundo !

De novo me acontecia – devia ser só comigo ! – grosserias de motorista de táxi ! Sem exceção , todo o motorista de táxi que tomava na cidade – sempre de mau aspecto, com longas patilhas ou bigode mal traçados, voz rude , cheiro duvidoso - conduzia em permanente estado de irritação, xingando todos os outros com quem cruzava , nenhum respeito aos pedestres , mal nos dando atenção, não auxiliando nas malas, sem cumprimentar na chegada, na saída , retrucando na primeira oportunidade .

A chegada a Paris é uma esperança de civilidade ! Por sorte , descobrimos um hotel na Avenue Jean Jaures , 53, continuação da grande Rue La Fayette, a 400 metros do metrô, um hotel com o mínimo necessário - Hotel Etap , 50 euros a diária , para casal ! O quarto é diminuto, uma pequena cama com um beliche por cima, o banheiro é uma cabine de plástico com sanitário e chuveiro, o lavatório e espelho ficam ao lado da cama , também um pequeno armário , mas tem TV e uma mesinha para o computador , ao lado de janela para o prédio em frente ! O café da manhã ( pago separadamente – 4 euros por pessoa ) é razoável, em salão despretensioso ; não tem restaurante, não tem mesmo bar – ao lado tem um bom mini mercado - , nada mais faz falta para quem se propõe apenas dormir no hotel .

Já é uma rotina ! na minha chegada a Paris a primeira saída do hotel é para pegar o metrô para a estação Pigalle . O Moulin Rouge é um dos símbolos de Paris, me dá as boas vindas ! Como diz Edith Piaf

Un p'tit jet d'eau,
Un' station de métro,
Entourée de bistrots,
Pigalle
Ca vit, ça gueul'
Les gens diront c'qu'ils veul'nt
Mais au monde y'a qu'un seul
Pigalle

O Sacré Coeur me espera lá em cima , também a Place du Tertre , de artistas e restaurantes
Agora sei que estou em Paris, não é um sonho , posso olhar em torno e me deixar envolver pela magia da cidade, até pensar que tenho 32 anos e passeio por aqui a minha juventude , nos meus 10 anos de casamento !
No dia seguinte, vamos visitar a Torre Eiffel , aproveitar o sol que ilumina a cidade , andar ao longo do Champ de Mars e admirar aquela monumental obra de engenharia

« O embrião de um dos maiores ícones do planeta surgiu em 1886, quando o engenheiro Gustave Eiffel ganhou o concurso para criar um símbolo para a Exposição Universal de 1889, que celebraria o centenário da Revolução Francesa. Mais de 250 operários, engenheiros e arquitetos trabalharam para erigir as 18 mil peças de ferro fundido, num total de 7 300 toneladas e 276 metros de altura. Hoje, o peso chega a 10 mil toneladas, graças aos restaurantes e lojas; e a altura, a 325 metros, pela antena instalada no topo em 1957.
Durante dois anos, dois meses e cinco dias, os franceses erguiam a cabeça espantados para acompanhar o surgimento do que se chamou, na época, de uma "ridícula chaminé de ferro". No dia 31 de março de 1889, Gustave Eiffel dá a missão por cumprida. Sobe 1 665 degraus até o topo, onde tremulava a bandeira blue-blanc-rouge. Ouvem-se 21 tiros de canhão. "A bandeira francesa é a única que tem um mastro de 300 metros", Eiffel teria escrito no leque de uma dama.
Com permissão para "poluir" o horizonte por 20 anos, ela foi ficando. "A Torre Eiffel é um espetáculo olhado e olhando, edifício inútil, mas insubstituível", escreveu Roland Barthes em 1964 para acompanhar o surgimento do que se chamou, na época, de uma "ridícula chaminé de ferro" »

Seguimos depois até à Esplanade des Invalides, atravessamos o Sena pela Pont Alexandre III , a mais bela das pontes de Paris . Chegamos ao Boulevard Haussmann , estamos nas Galeries Lafayette, no Les Printemps , na Lafayette Maison , as grandes lojas de departamentos de Paris, um mundo admirável de consumo e de elegância , percorrido por um colorido de gentes que nos envolve, deslumbra .
Mas o Pedro não se sente apaixonado por Paris ! Quer voltar ao Brasil ! Manhã de sexta feira vamos até ao Arco do Triunfo, procuramos a loja da Air France na Avenue des Champs Elysées , 119 . O problema fica resolvido, o Pedro regressa no sábado, eu e a Tininha ficamos, aquele projeto de alugarmos um carro e visitarmos a Bélgica e Holanda é arquivado !
Descemos os Champs Elysées , até à Place de la Concorde, o Jardin des Tuilleries, o Museu do Louvre , que eu já havia visitado em 1971 .

« O Presidente François Mitterrand, em 1981, decidiu que deveriam ser feitas várias obras para restaurar e conservar alguns edifícios e monumentos históricos que compõem o extraordinário patrimônio cultural da França. Entre esses patrimônios estava o Museu do Louvre.
O projeto para o Louvre seria o de transformar o palácio em museu, já que naquele prédio ainda funcionava, na Ala Richelieu, o Ministério das Finanças.
O fato mais polêmico da obra foi a pirâmide de vidro idealizada pelo arquiteto I.M.Pei, americano de origem chinesa, e que foi construída na entrada principal do Museu - ele ocupou todo o subsolo do jardim da Cour Napoleón, acrescentando à entrada principal um monumento de vidro em formato de pirâmide cercada de fontes e jatos de água .

De todos os grandes projetos em Paris, nenhum criou um alvoroço tão grande como as pirâmides de Pei no pátio do famoso museu do Louvre. Espetacular no conceito e na forma, elas lembram a habilidade audaciosa que os arquitetos modernos têm de revigorar e recircular formas arquitetônicas tradicionais. A pirâmide principal é basicamente uma complexa estrutura interligada de aço revestida de vidro reflexivo. Ela é, de fato, uma porta de entrada, um pórtico de entrada para as galerias principais do Louvre, que se localizam enterradas. A pirâmide principal, que certamente rompe o equilíbrio do pátio antigo Louvre, é complementada por duas pirâmides menores, que fornecem mais luz e ventilação aos espaços subterrâneos.

Mais tarde foram feitas outras obras de restauração das fachadas da Cour Napoleón, nas áreas de exposição do antigo Ministério das Finanças, atual Ala Richelieu, a construção do Carrossel du Louvre (galeria comercial) e um estacionamento para transportes de turistas, no subsolo.
O Jardim do Carrossel, dando continuidade ao Jardim das Tulherias, forma uma área verde de 30 hectares.
Durante as escavações para a construção da pirâmide, foram encontradas as torres medievais do castelo de Filipe Augusto, as fossas, o torreão e a sala de São Luís, século XIII e as fossas de Carlos V »

« Um mapa indica ao visitante as três direções que pode seguir : Sully, Richelieu e Denon . Estas três direções correspondem às três alas do edifício e levam os nomes de três grandes funcionários do Estado: Sully (ministro da fazenda de Henry IV), Richelieu (ministro de Luis XIII) e Denon (primeiro ministro do museu central de arte durante Napoleão I ) . Existem também 04 níveis ( subterrâneo e do primeiro ao terceiro andar) e o mapa contém as sessões dentro do museu divididas em Antiguidades Orientais, Egípcias , Gregas, Romanas, esculturas e Louvre medieval »

A pirâmide em que eu agora entrava me remetia para uma leitura recente, que me entusiasmara, pela qualidade da estória de suspense, pelos seus rituais secretos, pela religiosidade – O Código Da Vinci ! Como não lembrar naquela descida o momento apaixonante de Langdon descobrindo o significado dos versos naquele papiro misterioso

Abaixo da antiga Roslin ´stá o Graal
Lâm´na e cálice guardam-lhe o portal
Pela arte dos grandes mestres velada jaz
Sob estrelado céu descansa em paz . ?

A visita ao Museu é um mergulho na História , estonteante, maravilhoso , de contemplação dos esforços do Homem na procura da Beleza, da Perfeição ! Passamos pelas enormes coleções de artefatos do Egito Antigo, pelas obras dos artistas clássicos da Europa como Ticiano , Rembrandt, Goya, Rubens, Renoir, pelas esculturas da Vênus de Milo, da Vitória de Samotrácia , pelo quadro de Mona Lisa ( cada vez mais protegido ! ) . A Síndrome de Stendhal é aqui muito possível !

Vamos depois pela Rue Saint – Honoré , até à Place de Grève com o Hôtel - de – Ville ( edifício da Prefeitura de Paris desde 1357 ) , mais à frente até à Catedral de Notre Dame . O Pedro acabava por aqui a sua – melancólica ! – visita a Paris, não sem antes obter a excelente fotografia dos Pais com a Catedral como fundo .

Nós ficaríamos , até 1 de agosto , andando por Paris em maratonas turísticas, revendo algumas ruas, descobrindo outras, descansando nos bons restaurantes, e até chegando algumas tardes mais cedo ao hotel, para assistir à TV e descansar . Aquelas viagens pela Bélgica e Holanda, sozinhos, não nos atraíam , o avançar da idade desencoraja aventuras !
Nesses dias de Paris, ganhávamos a certeza de que, como em Lisboa , também aqui o envelhecimento da cidade era real, e que , pior, a antiga elegância dos parisienses havia dado lugar a uma amorfa aparência , a cidade se preenchia agora em quase totalidade com uma mistura de gentes que lhe roubava a originalidade e o charme !

Em Sorocaba , as obras na casa tinham avançado bem ! O quintal ficava pronto para construir a piscina, que eu decidia seria em vinil , mais fácil de instalação ; depois viriam as construções da área em frente à grande porta de vidro da sala e da varanda ( em aterro ) , as modificações na escada de entrada da casa para a cozinha , na garagem , e finalmente a substituição do portão, agora elétrico para sossego da Tininha . Terminávamos no início de outubro, uma quase reconstrução da casa , que tinha começado com a finalidade de apenas trocar o telhado ! Mas o carro ficava mais vistoso na garagem renovada - um Fiat Stilo 16 V, prata , que foi comprado no final de 2003 por troca com um Palio 16 V, por sua vez vindo da troca em 2000 com o Ford Escort GL 1.6 de 1997 – agora os canteiros iriam certamente dar flores , azaléias, hortênsias , gladíolos e muitas rosas que eu poderia cortar para a Tininha colocar nos vasos sobre a mesinha da sala, e os dias de verão seriam mais suportáveis com a refrescante piscina !

O Natal e Final de Ano , entrada de 2005, teriam toda a Família em Sorocaba, a Árvore se enfeitaria mais para a todos acolher , numa manifestação de alegria que a mim e à Tininha reconfortava , aliviando um pouco as saudades de tantos anos em que a nossa casa tinha a continuada presença de todos os Filhos , saudades que agora mais se ampliavam pela distância também dos Netos, Noras e Genro .

Em 2001 eu havia sonhado festejar os 40 anos de casamento em Paris ! Então impossível, eu pensava porque não os 45 em Lisboa ? Numa alegria de jovens viajantes , voltávamos a Lisboa em 31 de julho 2006, retornando em 20 de agosto.
De novo a Pensão Residencial Canadá, mais maratonas a pé, usando o metrô, pelos Shoppings – Centro Comercial Amoreiras, Colombo, Vasco da Gama , Campo Pequeno - , por aquela Avenida se iniciando no Parque Eduardo VII e vindo pelas ruas comerciais do Centro até às águas do Tejo , pelo Castelo de São Jorge e ruas de Alfama .
Teria novamente o confronto com a proibição de fotografar ( no Shopping do Campo Pequeno uma compenetrada funcionária do supermercado me apontaria a proibição na minha tentativa de obter uma foto de uns leitões expostos na vitrine de um freezer ! ) e a visão do envelhecimento dramático da cidade andando ao longo da Avenida Almirante Reis que sai do centro para a região da minha ex - Universidade , caminho de tantas vezes quando adolescente e depois nos tempos de namoro .

No dia 6 de agosto, sexta feira, iríamos de trem para Cascais , vendo aparecer as praias uma por uma , recortadas contra o Tejo e depois contra o Atlântico , numa viagem tornada familiar por feita em tantos e tantos finais de semana desde a infância ! Mas as praias não eram as mesmas ! O mar as invadira, cortando as suas dimensões e agora eram claramente praias populares , com o automóvel vulgarizado, elas tinham ficado como opção para as classes mais pobres .
A « minha » praia - Cascais – mostraria o mesmo desencanto , era agora pequena, sem graça, a própria vila perdera a nobreza, os restaurantes a elegância , o bom serviço !

Procurando recordações , decidimos atravessar o Tejo, naqueles cacilheiros de mau aspecto , talvez almoçar em Cacilhas no mesmo restaurante em que festejara os meus 21 anos, com a Tininha e um colega da Universidade , numa varanda sobre o Tejo em inesquecível jantar. O restaurante estava la´, fechado – será que abriria para o jantar ? – mas carcomido, destruído por anos sem nenhuma conservação , feio ; o local também não tinha nenhuma elegância, pelo contrário !

Mas encontraríamos na rua da Pensão um restaurante onde passaríamos a jantar, agradados pela boa comida , o preço razoável , a figura do dono ! O nome « Ouriço » já convidava a petiscar e era isso que nos atraía, além da coincidência do dono daquele restaurante ter feito serviço militar – soldado – e comissão em Moçambique, para meu espanto também em Vila Junqueiro logo depois que eu saíra ! As lembranças dos meus campos do Gurué me desafiavam ali, vinham até mim tantos anos depois !

« Como autênticos braços de enigma e mãos do sagrado, as palmeiras parecem abençoar, do litoral, toda a terra zambeziana. E, risonho quando bonançoso, o mar azul-esmeralda prolonga-se no verde desses coqueirais intermináveis bordejando o colorido trapézio das machambas culimadas.
Como mãos de dedos espalmados, as palmeiras são, simultaneamente, símbolo sonho, beleza e alimento. De fato, na Zambézia, os coqueiros são a marca inconfundível da terra, o encanto dos namorados nas noites de luar ou o embalo de sombra e brisa nos dias de canícula; são fruto e condimento para muitos comeres.
Da foz do Ligonha ao delta do Zambeze, esta portentosa e pouco elevada zona costeira da Província da Zambézia entremeia-se entre a riqueza da fauna marítima - plena de peixe e crustáceos - e a terra fértil para o arroz, milho, mandioca e cana-de-acúcar.
Na Zambézia, tal como em Nampula e Cabo Delgado sobe-se do litoral para o interior numa caminhada pulmonar dos respirados úmidos ares marítimos, ao sopro mais seco dos ventos montanhosos. E aqui, bem centrado no verdejante distrito do Gurué, ergue-se altaneira, a pitoresca serra do Namúli nos seus 2419 metros, acima do mar, constituindo o segundo ponto mais alto do país.
Dos imensos algodoais a exigir enorme parque industrial-têxtil em Mocuba, aos jardins-suspensos das plantações de chá do Gurué, passando pelos ananaseiros - aliás, abacaxis gigantes famosos em todo o país - e pomares de tangerineiras, às machambas experimentais e bem sucedidas de café e soja, a Zambézia, riscada de rios, abre o seu solo ao magnetismo dos minérios pegmatíticos desde a tantalite, columbite e microlite, a lipidolite e berilo industrial e ao fascínio das pedras preciosas e semipreciosas e que vão das ágatas, turmalinas e águas-marinhas às granadas vermelho-romãs e esmeraldas verde-mar.
Daí ser a Zambézia um território de miscigenação cultural e onde poderia ter surgido uma sócio-cultura creoula. As célebres Donas zambezianas com o seu aparato político e sócio-cultural, a conhecida culinária saborosamente misturada nos seus ingredientes e condimentos banto-indo-lusos, a própria penetração da língua portuguesa aqui mais visível do que no interior de outras províncias do país, aliada à maneira de ser alegre e extrovertida da sua população, fazem da Zambézia uma província muito particular.
No coração desta numerosa população zambeziana vibram sempre os bons sinais da culima, até mesmo quando a chuva escasseia e um Sol de Dezembro tenta murchar a natureza.
Aqui, apesar da História ou pela sua história, os Homens se abraçam fazendo a natureza chover grossas gotas de esperança.
Estamos a caminho do Gurué . Lá ao fundo, as montanhas convidam-nos para uma escalada de sonho. Mas, neste vale tranquilo, mais do que a casa solitária de uma herdade local, é a árvore, recortada de beleza singular, que centraliza toda a emoção do cenário.
É um convite ecológico de amor à natureza que nos fica deste autêntico postal do interior zambeziano; é um convite à meditação sobre nós mesmos, sobre a terra que escolhemos para viver, sobre a possibilidade de desenvolvimento sem destruição do belo e do que o espírito da Terra fez brotar ao longo de milénios.
Dá prazer ver este solo atapetado de cores com sabor a comida. Daqui destas machambas familiares da Zambézia vai crescer comida para a boca das crianças, para o socorro dos velhos, para a robustez dos adultos.
É um tablado agrícola desenhado por mãos suadas de carinho, cultivado nas primeiras horas do dia, quando o sol inclemente, ainda não devorador, permite um trabalho mais produtivo e contínuo.
E não só de copra, arroz e açúcar é rica a Zambézia. O chá é também um dos produtos de maior produção para consumo interno e exportação.
Sendo um chá do tipo “Ceilão”, muito apreciado no mundo, o chá zambeziano da região do Gurué permitiu o aparecimento no interior da Província de uma agro- indústria que orgulha o país.Ainda não mecanizada, a colheita do chá faz-se à mão, selecionando, dizem, melhor do que a máquina, as folhas mais tenras para um paladar mais genuíno e requintado.

São verdes as minhas mãos no carinho da colheita. Alimento a minha família na dureza deste afago de folhas no broto da manhã montanhosa, às vezes bem fria de neblina e cacimba.
Quando saborearem um gostoso chá moçambicano, pensem um pouco em nós, que vos damos com gosto este alimento de prazer, subindo estes montes, autênticos jardins-suspensos pintados de esperança.

Estou praticamente nu. E não pensem que é apenas por causa do calor, que na Zambézia se mistura à umidade e que faz os corpos luzirem ao toque de qualquer trabalho. É também da vida, da relação vida-trabalho. E é deste trabalho duro que vos queremos falar.

Depois de arrancarmos o coco em cachos bem no alto dos coqueiros e deixá-lo por uns tempos a secar, é a vez de tirar-lhe o invólucro fibroso para que apareça o castanho da noz, que em seguida partimos. Agarrado à noz, branca e apetitosa, lá está a parte gostosa do coco e que, depois de seco na estufa, se transforma em copra. E da copra se produz o óleo, que por sua vez produz a margarina, o sabão, os óleos para protecção da pele.
E com o fruto do coco fazemos também as nossas comidas, os nossos doces e sobremesas, damos gosto aos nossos bolos.
Desta fibra que agora descasco, suado e nu, e que alguns insistem em chamar ráfia, fabrico chinelos para os meus pés, tapetes para embelezar todas as casas. Com a água que chocalha doce dentro do coco, e que escorre pelos minhas mãos quando parto a noz, sacio a minha sede e condimento outros manjares zambezianos.
Por isso, e por tudo isto, vos posso garantir : este coco um dia vai-me vestir e calçar, dar casa e comida suficientes e, quiçá, uma máquina fabricada ou manejada pelos filhos desta terra para facilitar este trabalho que agora penosamente me sustenta »

Voltava ao Brasil, ao meu mundo por aquela janela do computador . Os dias se passam , quase iguais , a Olga nos acompanha, os outros distantes, pelo trabalho .

Mas em setembro tenho uma boa noticia, recebo do INSS uma pensão por idade, salário mínimo, agora as duas pensões juntas pagam o plano de saúde !
As notícias de Angola me animam , relembram em mim os sonhos que ainda eram da juventude, as esperanças postas na fábrica de cervejas , depois desfeitas pela guerra .

« Cinco anos após o fim de uma das piores guerras civis da história africana, Angola, movida por um boom do petróleo, tornou-se o país que mais cresce no mundo.
A previsão para 2008 é de um salto de 27,2% no PIB da ex-colônia portuguesa, segundo o Fundo Monetário Internacional - o maior entre 180 países. Perto disso, os 23,4% esperados para 2007 parecem modestos. Logicamente, o crescimento é sobre uma base reprimida por décadas de crise.
O superaquecimento da economia vem dando origem a uma nova geração de empreendedores, mas preserva e pode até estar agravando a diferença entre ricos e pobres.
No centro de Luanda, a capital, as contradições são visíveis. Erguendo arranha-céus para o governo ou petroleiras, guindastes disputam espaço com prédios dilapidados. A moderníssima sede da estatal do petróleo Sonangol, 19 andares em vidro fumê, é vizinha de cortiços com fachadas tomadas por roupas em varais. Concessionárias despejam carros 4X4, preferência nacional, nas ruas esburacadas. Os engarrafamentos são intermináveis.
Em Angola, nada é mais comum do que deixar o ar-condicionado de um vistoso edifício e pular uma poça de água esverdeada e malcheirosa na calçada. Ao lado, provavelmente haverá uma pilha de lixo. Blecautes são uma certeza cotidiana num país que extrai 2 milhões de barris diários de petróleo, a segunda maior produção africana. Em 2006, o país era o 17º mais pobre do mundo, segundo as Nações Unidas.
Angola enche os cofres com o petróleo (e, em menor escala, com diamantes), mas cresce tanto por partir de uma base dilacerada por 27 anos de um conflito que envolveu marxistas leninistas, cubanos, a CIA e guerrilheiros financiados pelo apartheid sul-africano.
O saldo foi de 1 milhão de mortos e 4 milhões de refugiados. Uma herança são 1.400 km quadrados de minas, área equivalente à cidade de São Paulo, as quais têm sido removidas lentamente.
A paz, após a vitória dos marxistas do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), coincidiu com a descoberta de gigantescos campos de petróleo. Com a explosão dos preços do produto, o mineral hoje representa cerca de 60% do PIB do país. O apetite de EUA e europeus, ansiosos por reduzir a dependência em relação ao Oriente Médio, abriu-se. Mas quem saiu na frente foi a China, de quem Angola em 2006 passou a ser o segundo fornecedor, depois da Arábia Saudita.
O fluxo de petróleo deve cair a partir de 2012, o que já preocupa o governo. "Estamos trabalhando para desenvolver outros setores e deixar de ter a economia vinculada ao petróleo", disse a ministra do Planejamento, Ana Dias.
O fluxo repentino de recursos tornou a corrupção endêmica. A cultura de pagar "gasosa" (literalmente, refrigerante) para policiais e funcionários públicos está enraizada. Angola, no ano passado, foi considerada pela ONG Transparência Internacional o 34º país mais corrupto do mundo, entre 180.
Há ainda sinais de que o petróleo pode estar contribuindo para empurrar uma parcela da população para um estado mais agudo de pobreza. A explosão da demanda gerada por petrodólares não foi acompanhada por similar aumento de oferta. O custo de vida disparou, e hoje Luanda é uma das cidades mais caras do mundo.
Os ricos e a classe média emergente refugiam-se em novos condomínios fechados e aproveitam o primeiro shopping e as primeiras salas cinemax do país. Na Ilha de Luanda, o bairro boêmio, lotam restaurantes dispostos a pagar o equivalente a R$ 80 por uma lagosta ou R$ 55 por um prato (individual) de picanha com farofa.
Na periferia, onde o desemprego é de 60%, jovens recorrem a biscates ou à venda de badulaques em semáforos. Roubo de carros e assaltos tornaram-se problemas sérios »
Setembro de 2007 , regresso de Brasília, 2ª visita à Helena Paula , pouco mais de 1000 Km no Fiat Stilo . Certamente pela convivência com os Netos , as recordações da juventude voltam mais fortes , reacendem um desejo já surgido várias vezes , nunca tentado, o de escrever um livro de memórias ! Pensava, talvez começasse «Carlos, Carlinhos para ...... » .

25 de outubro , ganho coragem , ensaio um início, mostro à Tininha , procuro apoio. Lentamente as folhas carregam as minhas emoções, revividas na sequência dos meus tempos de Viagem, escrevo pelo prazer da recordação . Tantas vezes me emociono, as lágrimas afloram , a visão dos êxitos me reconforta, o mergulho nos fracassos e nas mágoas me atormenta , agora impossibilitado de modificar recordações que têm de ser lembradas , contadas, revividas .
80 dias depois, estamos a meio de janeiro , a Tininha já desmontou a Árvore de Natal, o livro da minha Viagem está agora aqui .

E agora ?

Espero que outras vezes a Árvore de Natal seja montada, numa oferta à minha Viagem por aquela mão do Destino que nos acompanha ! ou não ! , as caixas com presentes estarão ao seu redor , as lembranças parecerão estar por ela dependuradas . Certamente ainda muitos presentes me emocionarão , mas também certamente nenhum me trará a comoção e o conforto sentidos no Natal de 1998 , ao lado da Tininha, recebendo do João António uma fotografia dele e do seu filho do coração, Felipe, com uma dedicatória

A presença do Felipe faz-me lembrar todos os dias da atenção e do carinho que meus Pais tiveram por mim. Sei , hoje, a real importância que tive para vocês. Obrigado pela educação , atenção, paciência e o amor que tiveram por mim. Amamos muito vocês . João e Felipe

A Vida se renova, a Helena Paula espera novo bébé, maio, será uma menina, Júlia , vem – se juntar aos meus outros três Netos . O Felipe e a Pietra crescem , diariamente os vejo na tela do meu computador , mas não diminuem assim as saudades . A Carlinha está vindo morar em Sorocaba , espero que a piscina fique mais cheia. Continuarei por aqui vendo o mundo pela janela do computador, ouvindo música , renovando o prazer de ouvir e sentir

Toi, petit, que tes parents
Ont laissé seul sur la terre
Petit oiseau sans lumière, sans printemps
Dans ta veste de drap blanc
Il fait froid comme en Bohème
T'as le cœur comme en carême
Et pourtant...


L'important c'est la rose
L'important c'est la rose
L'important c'est la rose
Crois-moi

Toi pour qui, donnant-donnant
J'ai chanté ces quelques lignes
Comme pour te faire un signe en passant
Dis à ton tour maintenant
Que la vie n'a d'importance
Que par une fleur qui danse
Sur le temps...

L'important c'est la rose
L'important c'est la rose
L'important c'est la rose
Crois-moi

Enquanto aquela mão do Destino que nos acompanha ! ou não ! o permitir . Antecipadamente, obrigado pela Maravilhosa Experiência da Vida !


Terminado a 16 janeiro 2008, Sorocaba , Brasil