janeiro 31, 2009

08 CRIANDO RAÍZES

No Brasil

O vôo para o Brasil era longo, dez horas de viagem em cadeira desconfortável, pernas precisando de mais espaço . Embora de noite, a ansiedade não deixava dormir, luzes apagadas, eu pensava o que me poderia esperar . Confiava no CF, mas ia iniciar atividades completamente novas, a área de projeto de engenharia teria pelo menos uma vantagem , eu me consolava, não repetiria atividades ! Isso me lembrava , divertido, um teste que há poucos meses fizera para diretor técnico de uma fábrica de refrigerantes, próxima a Lisboa, um dos tipos de anúncio a que eu não perdia a oportunidade de responder nos tempos conturbados do Seixal.
A fábrica era antiga, procurava um diretor técnico e um diretor comercial. Os testes , a que me submeti por curiosidade, eram feitos por um padre, psicólogo, novo, simpático. Quatro dias de baterias, não sei quantos candidatos. No último dia, ele me apresenta um conjunto de quadradinhos de várias cores e tamanhos, cortados em cartão, uma base também em cartão , e me pede para fazer um arranjo com aqueles quadradinhos , naquela base, a melhor disposição que eu gostasse. Achei que ele queria reconhecer a minha habilidade artística, azar, tentei o melhor , não levo jeito . Entrego-lhe o cartão com aquele arranjo, o melhor do meu esforço , ele simplesmente o destrói e me diz para fazer outro ! Bom , tento imaginar qualquer coisa diferente, ajeito os cartõezinhos e entrego-lhe , acabou. De novo, sem cerimônia, ele destrói a minha obra , quer que eu repita ! Mau, agora não vais pedir de novo ! o mais rápido possível juntei os cartões com as duas mãos e devolvi.
No último dia, o simpático padre me dá o resultado do teste, eu tinha ficado em 2º lugar na seleção , mas acontecia que o que tinha ficado em 1º lugar não aceitara as condições do emprego, tinham chamado o do 3º lugar porque as minhas características não se conjugavam com as do 1º lugar da seleção para diretor comercial. Bom , eu tinha visto isso na EKA !
Mas o interessante, naquele teste vinha lá « não gosta de efetuar repetição de atividades » . O padre tinha acertado ! E quase certo eu não aceitaria aquele emprego.

Chego no Aeroporto do Galeão, início da manhã . O CF e aquele outro colega que trabalhara comigo na Aciaria, irmão do amigo que eu tivera na visita ao Rio, estão à minha espera, me ajudam com as malas , vamos para Volta Redonda , nenhum tempo de parada no Rio para rever aquela praia de Copacabana !
Entramos naquela Dutra já minha conhecida , passamos por Nova Iguaçu, são 140 Km até Volta Redonda.
Entretanto o CF vai-me contando sobre a empresa, Cobrapi ( Companhia Brasileira de Projetos Industriais ) , estatal , tinha sido um departamento da CSN - Companhia Siderúrgica Nacinal - , agora trabalhava para todo o País , escritórios em Volta Redonda, Rio, São Paulo, Belo Horizonte . Ele tinha estado na Cosigua, depois aceitara convite para a Cobrapi, estava com um projeto que tinha atividades urgentes, mas precisava deixar esse projeto para alguém – que fosse capaz de o terminar , eu ! – para ele assumir a gerência do Projeto de Expansão da CSN, Estágio III , um estudo de viabilidade técnico- econômica, com participação da United States Steel ( USS ) e do Banco Internacional para a Recuperação e Desenvolvimento (BIRD , do Banco Mundial ) .
O meu ex - colega da Aciaria também trabalha na Cobrapi, outra área , também de projeto para a CSN. Os dois estão com as esposas e os filhos, em Volta Redonda, acham a cidade agradável , embora pequena e muito dependente da CSN .

« A CSN foi criada em 9 de abril de 1941 e no final desse ano começaram a chegar em Volta Redonda os primeiros trabalhadores incumbidos daconstrução da usina. Esses pioneiros foram abrigados em barracas armadas nos altos dos morros, enquanto eram construídos os acampamentos para as famílias operárias. Ao mesmo tempo, alojamentos coletivos se multiplicavam no interior da área industrial, aproximando os espaços do trabalho e da moradia. Paralelamente à construção da usina era implantada a Cidade Operária, cujo projeto previa a ocupação de 4000 habitantes, em área contígua à da usina, com total disponibiliidade de infra-estrutura e diversos equipamentos urbanos. O povoado se tranformara em grande canteiro de obras, onde eram duras as condições de vida e de trabalho: insalubridade nos alojamentos, tarefas extenuantes, jornada de 10 horas, disciplina rígida no trabalho e casos de repressão e violência por parte da polícia da CSN, eram comuns naqueles tempos. Observe-se que o financiamento para a implantação da usina siderúrgica fora obtido junto aos Estados Unidos em troca do apoio brasileiro aos países aliados no segundo grande conflito mundial.
O Brasil estava em guerra e na CSN - considerada unidade fabril de interesse militar, por ser necessária à indústria bélica do país - os trabalhadores não tinham direito a férias, nem podiam se ausentar do trabalho por mais de 8 dias, sob pena de serem considerados desertores e se sujeitarem às leis militares. Em meio ao rigor daqueles tempos pioneiros cresciam a usina e a Cidade.
Em julho de 1946, com a primeira "corrida do aço ", a usina foi inaugurada e em maio de 1948, a linha de produção começou a operar em sua totalidade. Neste último ano, a CSN atingia a marca de 3003 casas entregues aos trabalhadores. A década de 40 conheceu considerável incremento populacional .Forasteiros de diversas origens, e com diferentes interesses, se dirigiam a Volta Redonda.
O comércio se desenvolvia, pequenos estabelecimentos de serviços eram instalados e a atividade industrial, diretamente relacionada à produção da CSN, também foi estimulada logo nos primeiros anos de funcionamento da usina. Em 1950, a população chegava a 35.964 habitantes. Ao lado da Cidade operária, o povoado original de Santo Antônio crescia de forma desordenada, sem qualquer planejamento, sob a ação de proprietários de terra que se transformavam em loteadores, vislumbrando grandes lucros em negócios de terra.
Os setores médios da população (comerciantes, proprietários de terras, profissionais liberais, funcionários públicos, etc.), moradores da cidade não planejada, começaram a se organizar por melhorias urbanas que, do ponto de vista desses grupos, só seriam obtidas com a emancipação do distrito.
Em 1952, foi criado o Centro Cívico Pró-emancipação, que organizou e encaminhou o movimento pela autonomia político-administrativa, obtendo a convocação de um plebiscito que, realizado em junho de 1954, confirmou a pretensão emancipacionista. As décadas de 50 e 60, especialmente após a emancipação, conheceram considerável expansão da malha urbana, com a implantação de numerosos loteamentos, que deram origem a novos bairros, principalmente na margem esquerda do Rio Paraíba do Sul. Observe-se, no entanto, que a instalação do Município não conferiu ao governo local a administração de toda a cidade.
A Cidade Operária continuava a ser gerida pela CSN e apresentar padrão físico-urbanístico de muito melhor qualidade ( em termos de infra-estrutura, equipamento, serviços urbanos, condições habitacionais e ambientais) que a "outra" Volta Redonda, administrada pela Prefeitura Municipal. Somente a partir de 1967 a CSN começou a se retirar das tarefas urbanas, planejando a passagem para o Município do patrimônio público da empresa - ruas, praças, etc - e dos encargos decorrentes de sua manutenção. Em 1º de janeiro de 1968, Prefeitura e CSN assinaram um termo de entrega e recebimento dos serviços urbanos, dando início ao processo de unificação do espaço urbano, ao reunir sob a mesma administração, a Cidade Operária e a Cidade Velha. A venda das casas da CSN, iniciada em seguida, completou o processo de integração espacial do Município »

Saímos da Dutra, entramos na Rodovia Lúcio Meira , pouco depois estamos chegando a Volta Redonda.
A cidade tem um aspecto limpo, organizado, entramos numa via de faixa dupla, estamos com a CSN na frente, entramos na Rua Quatro – aqui as ruas não têm nomes ! - centro da cidade , paramos, vamos para a Cobrapi, prédio alongado , no conjunto do Centro Cultural , do Cinema 9 de abril. Entramos na Cobrapi, vários andares, o CF me indica a mesa dele, cheia de livros, documentos , um armário também abarrotado de papéis, me apresenta o meu chefe a partir daquele momento, na mesa atrás da dele, o salão é enorme tem muitas mesas alinhadas , muitos engenheiros, pranchetas de desenho, ar pesado de intelectualidade . O meu novo chefe é de meia idade , não mais de dez anos do que eu, parece atarefado, não manifesta grande receptividade , é apenas educado.
É hora de almoço , o CF e o meu ex-colega me levam para o Hotel da Bela Vista, aprazível bairro de alamedas e ruas arborizadas, uma enorme panorâmica da cidade e de toda a CSN nos seus 5 Km de extensão, área residencial nobre dos engenheiros .
Almoçamos, o CF me dá mais informações sobre o meu trabalho , que tenho na mesa um cronograma com as atividades a serem feitas, seus prazos .

O meu trabalho era um estudo de viabilidade técnica, econômica e financeira de uma usina para possível implantação no Rio Grande do Sul, com base no aproveitamento do carvão mineral de Santa Catarina, Criciúma, através de unidade de gaseificação, geração de gás redutor para uma unidade de produção de ferro – esponja a partir de minério de ferro, aciaria elétrica, laminação , etc. O estudo técnico estava no seu final, os estudos comerciais e econômico – financeiros eram de outra empresa, privada , do Rio de Janeiro . Na parte técnica faltava o arranjo geral, o balanço energético , organizar os documentos. Bem , só faltava me dizer que o estudo era desenvolvido pela Cobrapi do Rio de Janeiro, eu ia ficar em Volta Redonda mas tinha que levar os trabalhos para o Rio, organizar o estudo lá !

Mal almoço, estou atordoado , o peito comprimido , ainda não me dei conta de estar ali, aquela avalanche de informações não encontra espaço na minha cabeça para se organizar, me recordo do primeiro dia de chegada a Bruxelas, agora não estava sendo melhor.

Talvez fosse bom me deitar um pouco, refazer o corpo da noite mal dormida, penso. Mas o CF não é tão sensível aos meus problemas, acabamos o almoço, correndo, a Cobrapi tem horários, voltamos, me leva para a mesa, agora minha, tchau, até logo, toma atenção ao cronograma !

Bem , eu tinha aguentado Maua ! A pressão psicológica lá havia sido grande , mas agora além do mais eu tinha a minha Família, longe, não podia falhar, tinha que andar depressa , tratar dos papéis para me legalizar, arrumar casa, comprar móveis, não tinha carro nem dinheiro o bastante ! E aquele projeto ainda era no Rio de Janeiro !

Tento ler aquela papelada, vou precisar de vários dias. Ao final da tarde carrego tudo que acho seja do projeto, levo para o hotel, espalho na cama , pelo chão, a mesinha do quarto mal dá para escrever , a luz do quarto é fraca. Pouco durmo.

Alguns dias depois já estou mais à vontade , remexi os documentos daquele armário, descobri a biblioteca da Cobrapi , passei a pedir revistas, tirar cópia de artigos que possam interessar ao projeto, o moço que me atende acha estranho o meu interesse , nunca ninguém lhe pedia nada ! Falei com engenheiros, o meu chefe, um engenheiro na CSN, entendi que « mais vale só que mal acompanhado » , o CF tinha razão , eles também não sabem !
A esposa do CF é também uma colega minha , ela e o CF namoraram na Universidade, casaram , tinham dois filhos, da idade do João e da Paula . Moravam em casa no Laranjal, bairro residencial de bom padrão , para cima da Cobrapi, antes do Hotel da Bela Vista. Ambos são gentis, querem que os visite , me ajudam na passagem dos primeiros dias difíceis.

« Diz a história que os jesuítas chegaram à região ainda no século XVIII e fundaram várias fazendas. Uma delas, a Fazenda de Santa Cecília, ocupava a região onde mais tarde surgiria a cidade de Volta Redonda. Cidade que teria como ponto de partida o ano de 1941 e que daria abrigo a uma usina siderúrgica, construída através de um acordo entre Brasil e Estados Unidos. O exército brasileiro enviava alguns soldados para a Europa e os americanos ajudavam a construir uma Fábrica de Folha de Flandres e, juntamente, uma cidade padrão para abrigar seus operários.
Isso fez de Volta Redonda uma cidade única no Brasil. A cidade foi modelada como uma cidade do interior norte-americano. Projetistas e arquitetos gringos deram as instruções para engenheiros, arquitetos e desenhistas de forma a fazer uma grande vila, com todos os detalhes da divisão social existentes nos Estados Unidos da época.
Pessoas de várias partes do país, principalmente Minas Gerais, vieram para Volta Redonda, atraídas pelo emprego e pela propaganda nacionalista de Getúlio Vargas, de construir um Brasil potência. O que criou uma cidade em pleno Estado do Rio com um sotaque ímpar, meio mineiro, meio perdido, e com uma população vazia de raízes culturais, de descendência, de história. Uma população neutra, fabricada, planificada.
As características únicas de Volta Redonda começam na divisão social feita pelos bairros. Para os engenheiros, por exemplo, foi criado o bairro do Laranjal, no alto de um morro, com as maiores casas da cidade, tanto no tamanho do terreno quanto na sofisticação das residências. Ruas largas, idênticas aos subúrbios americanos, com grandes jardins na frente das casas, sendo estas bem espaçadas umas das outras. Grandes quintais para o típico churrasco de final de semana. Muitas árvores, que enchiam as ruas de folhas no outono. Nenhum barulho, apenas o da natureza e do alto-forno que, de tempos em tempos, soava o derramamento do minério de ferro derretido, som que era ouvido em toda a cidade.
Para os médicos, construíram um edifício de apartamentos grandes e confortáveis, atrás do Hospital da CSN . Para a classe média, formada por profissionais diversos, funcionários da Usina, por comerciantes, dentre outros, ficou designada a Vila Santa Cecília. Era o bairro das cercanias da Fazenda Santa Cecília, que existe até hoje. Ruas não tão largas como as do Laranjal, com casas também menores, mas num estilo também bastante norte-americano.
Os hotéis formavam uma obra prima : um grande casarão, com uma lâmpada na porta da entrada, com uma garagem ao lado, e as janelas de madeira. Dois andares. Foram construídos para abrigar os recém chegados na cidade, empregados da Usina. Os casarões dos hotéis também eram todos iguais, com alguns detalhes de conforto interno e da fachada que diferenciavam também a classe das pessoas que ali se hospedavam. Havia hotéis para engenheiros, para enfermeiras, para “peões”, etc.
As ruas ( que tinham números , raramente nomes ) que cruzavam a Rua 33 também guardavam em si uma divisão social. A Rua 33 dividia as demais ruas em duas. Na parte de baixo, plana, moravam as pessoas mais simples. Na parte de cima, uma classe média mais alta. Ao final da Rua 33, ficava uma praça e a Escola Técnica Pandiá Calógeras, construída para formar os operários da Usina.
E existiam outros bairros, para outras classes sociais, bairros para os peões que trabalhavam na Usina, para serventes, garçons, pessoas mais simples. Casas mais simples, geminadas, também padronizadas.
A construção de colégios na cidade, além da Escola Técnica, também não deixou de observar a divisão social. O Colégio Rosário era destinado aos filhos das classes mais altas. Coincidentemente, assim como o bairro do Laranjal, ficava num morro, numa posição superior. O Colégio Macedo Soares ficava dentro da Vila Santa Cecília e era a escola dos filhos da classe média. Outros colégios foram construídos para classes menos abastadas.
O mesmo ocorria com os clubes sociais. Tinha o Clube dos Funcionários da CSN, o clube das classes média e alta. Outros clubes como o Umuarama, o Comercial, dentre outros, garantiam o lazer das gentes mais simples .
Bem, existiria divisão social em todas as cidades. No Rio, por exemplo, existe Leblon, existe Ipanema, existe Flamengo, existe Tijuca, existe Méier, etc. Mas há uma diferença crucial. Esses bairros foram surgindo dentro de uma história de mais de 500 anos, com movimentos migratórios que acompanhavam a condição social das pessoas. Já Volta Redonda foi planejada dessa maneira. A divisão social foi prevista, e da noite para o dia a cidade passou a existir dessa forma »

Começo a entender a minha nova empresa, ela se defronta com a execução dos planos estratégicos do País para a área siderúrgica, expressos num documento, o Plano Nacional Siderúrgico ,que prevê a instalação de usinas siderúrgicas necessárias ao aumento da capacidade de produção de aço de 6 milhões de toneladas anuais em 1970 , para 20 milhões em 1980 !
Um acréscimo que seria do tamanho da produção atingida pela Alemanha , sem o potencial tecnológico de que aquela dispunha , humano e de equipamentos !

« Por ocasião da constituição da Companhia Siderúrgica Nacional - CSN, em 1941, não existia no Brasil empresa de engenharia capacitada para implantar a fábrica em Volta Redonda, tendo sido contratados no exterior todos os serviços de engenharia necessários à sua implantação.

A CSN, desde o início, preocupou-se em absorver tecnologia de projetos industriais, tendo determinado que parte expressiva dos projetos necessários às etapas futuras de desenvolvimento da fábrica seria realizada no Brasil, por especialistas brasileiros.

Foram criados internamente à empresa vários grupos destinados a executar cálculos e projetos. Mais tarde, por ocasião do primeiro plano de expansão, estes grupos foram reunidos em uma única área de Estudos e Projetos, que se veio a denominar Superintendência de Engenharia da CSN.

Posteriormente, a partir dos resultados alcançados com a absorção da tecnologia, em colaboração com as empresas estrangeiras, juntamente com a demanda por projetos de engenharia, que podia ser vislumbrada da vontade estratégica do Governo Brasileiro, na época, em desenvolver a siderurgia nacional, estimulou a CSN a criar uma subsidiária direcionada para a prestação de serviços de engenharia. Assim, foi constituída a Companhia Brasileira de Projetos Industriais ,Cobrapi, em janeiro de 1963 »

« Dentre os importantes acontecimentos no que se diz respeito ao setor siderúrgico nacional, vale mencionar que em 1963 é fundado o IBS – Instituto Brasileiro de Siderurgia, passando a reunir e representar as empresas produtoras de aço. Além desta, em 1968 surgiu o Consider – Conselho Consultivo da Indústria Siderúrgica,
implementando algumas propostas do GCIS – Grupo Consultivo da Indústria Siderúrgica que fora criado em 1962. Em 1970 o Consider é transformado em um Conselho Deliberativo denominado de Conselho Nacional da Indústria Siderúrgica e em 1974, denominado de Conselho de Não-Ferrosos e Siderurgia. Coube ao Consider estabelecer as políticas globais do setor .
Após a exposição de um trabalho elaborado pelo Consider em 1971, foi criado o I Plano Nacional Siderúrgico – PNS, propondo algumas ações que basicamente eram:

- Aumento da capacidade de produção de aço de 6 milhões de toneladas/ano em 1970 para 20 milhões de toneladas/ano em 1980;

- Criação de uma holding das companhias estatais denominadas Brassider

- Criação de uma comissão para o desenvolvimento do setor privado, coordenando e expandindo esse segmento »

Me entusiasmei ! Eu tinha ali uma fonte de alta renda durante muitos anos !

Eu podia investir no meu treinamento, certamente o caminho seria promissor naquela área de Engenharia , no Brasil. A CSN tinha tido êxito na formação de pessoal de Projeto, mas só na área de execução, dos cálculos de engenharia civil, mecânica e elétrica, na área de arquitetura, a partir de projetos elaborados por empresas estrangeiras, americanas quase todas – a USS mantinha contrato com a CSN - mas não nas atividades de Engenharia Básica, da seleção dos equipamentos, do seu dimensionamento e da quantificação das necessidades funcionais ; isso exigia engenheiros com experiência da operação , do chão de fábrica, com vontade permanente de atualização , o que requeria muita leitura , o máximo de visitas a instalações , capacidades crítica e inventiva .

Aqueles prazos no cronograma me obrigam a ir ao Rio, ao Escritório da Cobrapi. Vou aproveitar para tratar dos documentos de legalização, o Gerente Administrativo em Volta Redonda me indicou o Diretor Administrativo na Sede da Cobrapi, no Rio. Interessante, aquele Gerente tinha feito parte da equipa brasileira de basquetebol de 1963, bi campeã mundial , o torneio naquele ano tinha sido realizado no Rio !

Vou sozinho, o ónibus me deixa na Rodoviária , o Escritório é na Rua da Assembléia . Me recebem muito bem , falo da minha experiência, demonstro o que já fiz. Querem que eu vá fazer uma visita a usina no Recife, que converse com dirigentes de uma usina de Vitória que está em fase de contratação de empresa de engenharia para um projeto básico. Aquele Escritório está no início de formação , pequenos projetos , pouco pessoal .

O Diretor Administrativo, coronel do Exército é prestativo, agradável .Vou nas Repartições que ele me indica , preencho documentos, tiro xerox. E numa lojinha de balcão para a rua, centro do Rio, Avenida Rio Branco, o sujeito que me atende mete conversa , sou português, chegado no Rio , me pergunta se quero comprar um curso de Direito ! Registro garantido , só 15.000 Cruzeiros ! Acho que errei, não aceitei !

Em Volta Redonda vou começar a dar assistência à Aciaria LD, está no final de montagem , conversores de 200 toneladas ( no Seixal eram de 45 !) , o tal Despoeiramento , mas por via seca, sistemas de controle e de comando computadorizados , desde o cálculo da carga mecânica até ao final da operação , duas máquinas de lingotamento contínuo para placas, também computadorizadas. Claro, eu não vou dar assistência , eu vou aprender, toda a equipa brasileira teve treinamento nos Estados Unidos, a instalação é da USS .

O CF mantém contato com o pessoal do Seixal, recebe carta do meu colega da Aciaria , o que iria comigo para Angola. A carta descreve a comoção que ocorreu com a minha saída , o CF vem-me mostrar ! Eu tinha ficado na véspera da minha saída até bastante tarde , deixando detalhados todos os pormenores das atividades que estavam em curso, cuidados a tomar, explicações, cuidados .
Os engenheiros sabiam da minha saída , mas a carta de demissão eu tinha deixado com a Tininha para entregar a um Chefe de Turno que morava em Setúbal, ele de vez em quando passava por minha casa, eu tinha-lhe prometido aquele quadro com os postais de Paris - lindo ! . Na carta eu explicava os motivos da minha saída, a intromissão da política no dia à dia, os aproveitadores , as quebras permanentes de disciplina , os resultados negativos, a minha condição de também trabalhador que não queria ver quebrar a empresa . O meu Chefe teria chorado , a COTRA publicou um comunicado , vinha com a carta !

Passo a ter de viajar entre Volta Redonda – Rio. Visito aquela usina no Recife – que grande desilusão com aqueles guaiamuns e caranguejos , que eu pensava parecidos com os de Luanda !

« Os mangues do Recife são o paraíso do caranguejo. Se a terra foi feita para o homem com tudo para servi-lo, o mangue foi feito essencialmente para o caranguejo. Tudo aí é, ou está para ser caranguejo, inclusive a lama e o homem que vive nela. A lama misturada com urina, excremento e outros resíduos que a maré traz, quando ainda não é caranguejo vai ser. O caranguejo nasce nela, vive dela, cresce comendo lama, engordando com as porcarias dela, fabricando com a lama a carninha branca de suas patas e a geléia esverdeada de suas vísceras pegajosas. Por outro lado, o povo daí vive de pegar caranguejo, chupar-lhe as patas, comer e lamber seus cascos até que fiquem limpos como um copo e com sua carne feita de lama fazer a carne do seu corpo e a do corpo de seus filhos. São duzentos mil indivíduos, duzentos mil cidadãos feitos de carne de caranguejos. O que o organismo rejeita volta como um detrito para a lama do mangue para virar caranguejo outra vez »
« Parecidíssimos fisicamente, mas totalmente distintos no sabor, o caranguejo e o guaiamum reinam quando o assunto é petisco feitos com frutos do mar. São casquinhos, ensopados, fritadas, patolas, tudo feito com os "bichos". Para diferenciar uma espécie da outra, basta saber que o guaiamum foi tirado da margem do mangue, já o caranguejo vive na lama e é bem peludo.
Várias curiosidades giram em torno do assunto, dentre elas, podem-se destacar a de que o guaiamum pode ser cevado e o caranguejo não. A qualidade do caranguejo é bem melhor nos meses de maio, junho, julho e agosto. E o caranguejo é morto antes de ser cozido, enquanto o guaiamum pode tranquilamente ir para a panela vivo »

E converso com o Diretor daquela usina de Vitória, que procura uma empresa de engenharia para o seu Projeto Básico. Trocamos idéias, eu lia muito, tinha boa documentação sobre predicados de um bom projeto, não era difícil convencê - lo dos meus argumentos ! A Cobrapi Rio ganha o Projeto, com assessoria da GHH Demag, empresa alemã estabelecida em Vespaziano, Minas Gerais. Mas tem de contratar engenheiros, formar uma equipa de Engenharia Básica , vou ser o chefe.

Mas os meus documentos demoram ! Falo com o Diretor Administrativo, ele vai pessoalmente comigo, coronel, entra nos gabinetes, atendem – no prestimosamente, os meus documentos vão ficar prontos ! Eu fico entendendo um pouco mais do Brasil, até porque ele me conta do seu interesse por atividades espíritas, relata estórias diversas que me espantam , participação em rituais , operações cirúrgicas invisíveis , coisas estranhas que ele , embora militar e de quem se esperaria portanto um comportamento materialista, me afirma de todo verdadeiras. E me convida para assistir, quer que eu vá com ele numa dessas sessões ! Ouço , atento e delicado, preciso dele para os meus papéis.

Papéis que finalmente saem , tenho RG, CIC , Carteira de Trabalho ! A Tininha pode vir, vou alugar casa , comprar móveis. A casa alugo no Jardim Amália, bairro construído fora do perímetro de urbanização da CSN, em início de formação . Quintal na frente, varanda, área lateral coberta para o carro, sala de jantar de paredes cobertas por azulejos azuis, paredes externas de cor rosa choque que valeriam comentários ao meu daltonismo ! Os móveis vou comprar nas Lojas Mollica , e enquanto não chegam o CF me empresta um sofá cama , saio do Hotel Bela Vista e me instalo na casa, lembranças de Maua .

Primeiros dias na casa, me batem na porta. É o guarda da área, encontrou novo cliente ! Pergunto se sabe como arranjar um revolver, e balas ! Me diz que sim , vai trazer. Dias mais tarde estou com um pequeno revolver, cromado, cabe na bolsa, bom para viajar !

Naquela visita ao Recife, me pediram um orçamento para um estudo de definição das necessidades de transportes para a Usina , pequena fundição de forno elétrico. Também querem as especificações, custos dos equipamentos. Acho fácil , dou duas semanas de prazo de execução. Aceitam, o Gerente do Rio me diz que a melhor oferta que tinham para esse estudo era a de um engenheiro da CSN , tinha dado 90 dias de prazo, proposta tão cara que o cliente não tinha aceitado !
Ganho o trabalho , mas também uma gripe infernal que me não deixa trabalhar ! Hora de almoço vou numa farmácia, Rua Senador Dantas , peço qualquer coisa para a gripe, me dão uma injeção , mistura de várias, o farmacêutico elogia , diz não haver melhor. Final da tarde , a gripe tinha desaparecido , cumpri o prazo ! Mas aprendi também que no Brasil as atividades não podem ser apressadas , ritmo holandês, todos se assustam , até acham deseducado !

A Tininha chega com os Filhos ! Eu espero ansioso, a primeira a sair pela porta de desembarque é a Paula, enorme urso de pelúcia escondendo o seu susto pela terra estranha, o João diligente ajudando a Mãe . Apresento Volta Redonda , a casa, os móveis que já estão lá , o sofá cama na sala, que vai ficar apenas com ele , a TV preto e branco, 20 polegadas, Philco verde. A TV a cores tinha sido iniciada no Brasil em 1970, com a Copa de futebol do México , mas em 1976 os televisores ainda eram muito caros .

O Colégio para os Filhos seria o Macedo Soares , eu já tinha conversado com o Diretor, padre. Mas as aulas só começariam em fevereiro .
No Brasil , o sistema de ensino se diferenciava do de Portugal , lá nós tínhamos 4 anos de Escola Primária e depois 7 de Liceu, aqui eram 8 de Ensino Fundamental e 3 de Ensino Médio, anteriores à Universidade . Então , o João entraria para a 7 ª Série, a Paula para a 5 ª , a Olga para a 4 ª e o Pedro para a 2 ª .

Enquanto não começavam as aulas ,tinham tempo para descobrir Volta Redonda e para se afeiçoar a um filhote pastor belga, preto , lindo , ao qual eu tinha dado o nome de Tora , que me lembrava o filme Tora ! Tora ! que reproduzia o ataque japonês em dezembro de 1941 a Pearl Harbor , filme americano que acabara de passar nos cinemas.

Não ter carro numa cidade como Volta Redonda exigia esforços difíceis para cumprir as tarefas diárias. O primeiro surgiria de um acaso . Na Cobrapi trabalhava outro português, da região do Porto, onde os pais tinham uma fábrica de madeiras, ele tinha vindo para o Brasil fugindo do cumprimento do serviço militar. Engenheiro mecânico, casado , tinha uma Volkswagen Variant , 1600, motor a ar traseiro , 4 portas, faróis redondos, ano 1970, muitos quilômetros rodados. Um final de tarde ele nos levava para casa, fala que quer vender o carro , pergunto quanto vale, compro dele ! A Vida melhorava, o carro era velho , espartano, mas a vontade de conhecer a região era grande !

Próximo a Volta Redonda , menos de 50 quilómetros, Itatiaia na Serra da Mantiqueira era um lugar de piqueniques , com o CF, pelo seu magnífico parque de trilhas frondosas, que se estendia dos baixos da serra com o Lago Azul e Cachoeiras até ao Pico das Agulhas Negras a mais de 2700 metros de altitude .
Outro local de passeios com o CF, Angra dos Reis, cerca de 100 quilómetros por Barra Mansa, passando por Rio Claro até à BR 101, Rio – Santos. Local paradisíaco, mais de 300 ilhas se avistando pelo mar em frente, grandes sobrados coloniais, igrejas, também local da Central Nuclear , do Porto da CSN e de milhões de mosquitos fazendo fugir para o carro !

« Angra dos Reis é formada por 365 ilhas e duas mil praias repletas de belezas naturais, lendas e badalação. Está localizada na Costa Verde fluminense, entre os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, às margens da rodovia Rio-Santos (BR-101).
Para conhecer bem este pedaço da Costa Verde Fluminense, só mesmo com um passeio de barco, em que se pode observar desde o mar de águas cristalinas até as mansões dos ricos e famosos, erguidas em ilhas particulares. Dentre todas as suas ilhas, a Ilha Grande se sobressai. Considerada um paraíso para os aventureiros, com suas trilhas, cachoeiras e praias desertas, teve importante papel no cenário histórico-cultural do Brasil, por abrigar um presídio durante quase 60 anos.

Ilha Grande
É a maior de todas as ilhas de Angra dos Reis. Possui paisagens fascinantes, 86 praias com diferentes características, enseadas, rios, lagoas, cachoeiras, planícies, montanhas e picos espalhados em 193 km². A proximidade entre a Mata Atlântica e o mar é muito grande e os recantos paradisíacos são abundantes. Várias praias são acessíveis somente por trilhas a pé ou via barco.
A baía da Ilha Grande abriga uma das maiores concentrações de naufrágios do mundo, sendo uma excelente opção para a prática do mergulho. Destacam-se nesse cenário locais como Lage do Guriri (Ponta de Castelhanos), Ilha de Jorge Grego, Ilha dos Meros e Naufrágios. O fundo do mar apresenta grande variedade de peixes, corais e cavernas com tamanho variando de 10 a 20 m de altura.
A Ilha Grande é um local sensacional para a prática de trekking, trilhas e caminhadas. São muitas opções entre morros, montanhas, riachos, rochas, encostas e praias, a maioria delas por dentro da Mata Atlântica.
A ilha tem alguns núcleos urbanos, como a Vila do Abraão, onde podem ser encontrados restaurantes, pousadas e comércio. Fica a cerca de 1h30 de barco, a partir de Angra dos Reis »

De Angra dos Reis se seguia para Paraty, de extensa baía, praticamente toda a cidade ao nível do mar , formada nos Séculos XVII e XVIII como porto exportador de ouro, que ali chegava por trilha que os índios tinham aberto ligando a Minas Gerais – o Caminho do Ouro – e assim atrativo também para a cobiça de corsários ingleses e franceses , origem de grandes batalhas navais naquelas águas.
Além da riqueza proporcionada pelo ouro, se desenvolveu na região no Século XVIII a indústria da aguardente : em 1820 já contava com 150 destilarias ! E por aqui se fez o tráfego de escravos depois da sua proibição e também saiu o café do Vale do Paraíba até à construção da linha férrea.
Desse passado , a cidade conserva as ruas em pedra irregular e as casas em estilo colonial, agora ocupadas por pousadas, restaurantes, museus, lojas de artesanato .

Para aquele Projeto Básico da usina em Vitória, a Cobrapi está analizando candidatos, me chamam para conversar com um engenheiro da Cosigua, área do Forno Elétrico. Gosto da postura, tem vivacidade , um pouco diferente dos brasileiros que já conheço, pela forte determinação, recomendo para admitir.
A minha participação no Projeto da Siderúrgica no Sul está terminada, no do Recife também , posso dedicar o meu tempo à Aciaria da CSN e à leitura e xerox das muitas revistas e livros que vou procurando na Biblioteca.

O Natal é passado em casa do CF , e eu começo a ser despertado para a paixão dos brasileiros pelo churrasco ! Sem prévio tempero da carne, só sal , dizem que assim é melhor , técnica primitiva de comer a carne que eu tinha encontrado em Moçambique com o frango à cafreal ! Mas aí eles faziam molho de pimenta, temperavam com ele a carne durante todo o tempo no espeto, sobre o braseiro.
Aqui não, a carne não merece preparo, só o corte , mais fácil para as esposas que só preparam o feijão , o arroz e a farofa , técnicas não muito difíceis porque para mais não se treinaram ! Os homens demonstram a habilidade na manutenção do fogo, todos colocados para um canto ali próximo do braseiro, as mulheres distantes , outro grupo para mais longe, assim todo o tempo , dos cumprimentos da chegada , que às vezes a maioria esquece, até aos « tchaus » da saída , muitas latas de cerveja depois. Costumes !

Mas no Fim de Ano vamos passar a meia - noite no Rio ! Atrás de nossa casa mora um casal também de portugueses , ele empregado em gráfica, uma filha já maior de idade. Conversamos sobre a alegria da festa no Rio, já passa das 8 da noite, resolvemos correr pela estrada a tempo de pisar as areias de Copacabana e assistir às sessões de candomblé dos grupos que por ela se espalham , das oferendas a Iemanjá , dos fogos de artifício que caiem das janelas dos prédios da Avenida Atlântica , que estouram sobre as cabeças dos cariocas , que mostram nessa festa a razão da cidade do Rio ser uma cidade encantada !
Dormimos na praia, no outro dia pela manhã não foi fácil encontrar aonde passar água pelo rosto , tomar café !

Os Filhos vão começar as aulas, gostam do Colégio , não têm dificuldades na adaptação, acham bem mais fácil no Macedo Soares do que em Setúbal. O pastor belga ,Tora ,vem-se revelando um magnífico cachorro , defensor da casa , brincalhão, o João começou a levá - lo aos finais de semana para treinamento num parque próximo de casa, tem por lá um técnico que o ensina . O meu revolver cromado está guardado no criado mudo, espera que eu um dia o experimente para saber se funciona .


O Projeto para Vitória começa a ocupar parte do meu tempo, ainda não foi autorizado pelo cliente, mas me antecipo, início um estudo com o dimensionamento preliminar de todos os equipamentos, cálculo da necessidade de áreas para o arranjo geral, condições a serem observadas .

O Carnaval é a grande festa do Rio e do Brasil, eu sabia pelas notícias e fotos das revistas, mas não esperava que tanto ocupasse a imaginação dos brasileiros , e o seu tempo. As atividades de todo o tipo já vêm em ritmo lento na política e nas empresas , depois do Fim de Ano , fala – se do Carnaval, acontecem bailes, as pessoas preparam as fantasias e as Escolas de Samba se aprontam movimentando milhares de participantes pelos bairros do Rio . O Carnaval coincide com as férias de verão e isso tem um efeito de suspensão em tudo, menos na ansiedade com que se aguarda os primeiros festejos.

« Ao contrário do que se imagina, a origem do carnaval brasileiro é totalmente européia. A comemoração carnavalesca data do início da colonização, sendo uma herança do entrudo português e das mascaradas italianas. Somente muitos anos mais tarde, no início do século XX, foram acrescentados os elementos africanos, que contribuíram de forma definitiva para o seu desenvolvimento e originalidade.
Foi, portanto, graças a Portugal que o entrudo desembarcou na cidade do Rio de Janeiro, em 1641. O termo, derivado do latim "introitus" significava "entrada", "começo", nome com o qual a Igreja denominava o começo das solenidades da Quaresma. No entanto, as festividades do entrudo já existiam bem antes do Cristianismo, eram comemoradas na mesma época do ano e serviam para celebrar o início da primavera. Com o advento da Era Cristã e a supremacia da Igreja Católica, passou a fazer parte do calendário religioso, indo do Sábado Gordo à Quarta-feira de Cinzas.
Tanto em Portugal, como no Brasil, o Carnaval não se assemelhava de forma alguma aos festejos da Itália Renascentista; era uma brincadeira de rua muitas vezes violenta, onde se cometia todo tipo de abusos e atrocidades. Era comum os escravos molharem-se uns aos outros, usando ovos, farinha de trigo, polvilho, cal, goma , laranja podre, restos de comida, enquanto as famílias brancas divertiam-se em suas casas derramando baldes de água suja em passantes desavisados, "num clima de quebra consentida de extrema rigidez da família patriarcal".

Foi esse Carnaval mais ou menos selvagem que desembarcou no Brasil com as primeiras caravelas portuguesas e os primeiros foliões.
Com o passar do tempo e devido a insistentes protestos, o entrudo civilizou-se, adquiriu maior graça e leveza, substituindo as substâncias nitidamente grosseiras por outras menos comprometedoras, como os limões de cheiro (pequenas esferas de cera cheias de água perfumada) ou como os frascos de borracha ou bisnagas cheias de vinho, vinagre ou groselha. Estas últimas foram as precursoras dos lança-perfumes introduzidos em 1885.
Em 1855, surgiram, também, os primeiros grandes clubes carnavalescos: as Grandes Sociedades. Esses clubes não se reuniam apenas para comemorar o Carnaval, mas também estavam ligados a movimentos cívicos. Com sua organização e seus carros alegóricos, foram os precursores do Carnaval organizado dos dias atuais. Naquela época, o Carnaval tinha ainda um estilo muito europeu, que foi gradualmente evoluindo e se abrasileirando.
Para a aristocracia, começaram os bailes de máscaras no elegante Hotel Itália, onde é hoje a praça Tiradentes. Os bailes de máscaras eram animados pelas "cocottes", atrizes, cantoras e prostitutas francesas que alegravam a vida mundana da cidade.
As senhoras consideradas 'honestas' assistiam afastadas do salão e só dançavam em bailes familiares.
No tocante à música, tudo ainda era muito precário; o entrudo não possuía um ritmo ou melodia que o simbolizasse. Apenas a partir da proliferação dos bailes de máscaras nos moldes europeus, foi que se pôde notar um desenvolvimento musical mais sofisticado.
Em 1907 surgiu o Corso, um desfile de automóveis que se constituiu em uma das principais atrações do Carnaval carioca durante as primeiras décadas do século XX. O Corso tomou conta da Avenida Rio Branco e foi, por sua natureza, uma forma evidente de confraternização social, já que um grupo se exibia e o outro apreciava. Enquanto moças fantasiadas desfilavam em automóveis sem capota, jogando flores, confete e serpentina, o povo se comprimia nas calçadas para saudar os foliões, dançando e cantando.
Apesar de estrondoso sucesso dos bailes de salão, foi na esfera popular que o Carnaval adquiriu formas genuinamente autênticas e brasileiras. Com a constante repressão ao entrudo, o povo viu-se obrigado a disciplinar as brincadeiras de rua, passando a utilizar a organização das procissões religiosas para a comemoração do Carnaval: apareciam então os blocos e cordões, grupos que originariam, mais tarde, as escolas de samba. Formados por negros, mulatos e brancos de origem humilde, os cordões animavam as ruas ao som dos instrumentos de percussão. Misturando influências de rituais festivos e religiosos trazidos da África e um amalgamado de costumes europeus, acabou legando para as gerações seguintes as características básicas do Carnaval carioca, que acompanhou as transformações da cidade e favoreceu a inserção e a afirmação da matriz africana na sociedade e na cultura brasileira. O samba é um exemplo desse processo.
Desde os tempos da casa de Tia Ciata, centro aglutinador da "Pequena África", o samba aparece como símbolo da valorização cultural das tradições negras. Do quintal daquela casa transbordava religiosidade e samba para a sociedade carioca. Naquele espaço e convívio foram criadas estratégias anti-exclusão, com marcas tradicionais do continente africano - cantigas e danças, festas religiosas e profanas, com comidas, samba de roda e capoeira.
As manifestações dessa cultura começaram, então, a transbordar dessa fronteira, se espalhando pelos bairros populares.
A perseguição às manifestações da cultura africana foi sendo amenizada pelo tempo. A "cidade moderna" começava a valorizar o mundo musical tradicional da "Pequena África", que influenciou a formação de uma cultura popular carioca que, embora subalterna e quase omitida pelos meios de informação da época, redefiniria, juntamente com os novos hábitos civilizatórios das elites, a face moderna do aculturamento tropical.
A primeira geração do samba, representada por Donga, Sinhô, Caninha,Freitinhas, Pixinguinha, entre outros que se destacaram como autores de sambas, ficou conhecida como o "samba da Cidade Nova". Musicalmente era um samba "amaxixado" e com alguma aproximação com o choro, indicando a influência próxima das músicas européias.
A presença dos negros na cultura musical carioca foi profundamente marcada pelo grupo da Tia Ciata. Daquele núcleo surgiram novidades carnavalescas apresentadas pelos ranchos - grupo de pessoas que desfilavam a pé, dançando e cantando, em ritmo processional, ao som dos instrumentos e ritmos africanos. O rancho liderava o Carnaval popular, apresentando inovações, como as alegorias, as orquestras, o abre-alas e os "tenores" - vozes potentes responsáveis pelos solos das músicas cantadas. Eram basicamente compostos pelo povo, em contrapartida às grandes sociedades, formadas pela burguesia.
O samba, como gênero musical, se consagrou em 1917, quando foi gravado pela primeira vez, tomando conta da cidade e do país. Esse "samba da Cidade Nova", como ficou conhecido, passou a ser tido como mais adequado para a dança de salão do que para desfilar no Carnaval. Para o Carnaval era preciso um samba que movimentasse o corpo, que permitisse andar e brincar ao mesmo tempo.
Em 1927, a turma de sambistas do bairro do Estácio de Sá decidiu reformular essa música, libertando-a de certas influências. Criaram um bloco carnavalesco para sair pela cidade cantando seus sambas - o "Deixa Falar" de 1928 - que, por ter como seus fundadores sambistas considerados "professores" do novo tipo de samba, ganhou o título de "escola de samba".
Surgiu, assim, a primeira escola de samba e, depois dela, outras vieram, como a Estação Primeira de Mangueira, também fundada em 1928.
Nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro observa-se o fenômeno da evolução de estilo e crescimento da importância da festa. O peso da cultura negra acionando um mecanismo que deu lugar a uma inversão momentânea da estrutura social. Os postos de comando nos blocos e nas escolas de samba são ocupados pelos pobres que exercem com afinco a autoridade e com legitimidade o poder.
As camadas inferiores tornaram-se os agentes dominantes do Carnaval, enquanto as elites, onde predominavam os brancos, integraram marginalmente o evento, ou limitaram-se ao papel de espectadores.
A nova denominação criada pelos bambas do Estácio iria se difundir na década de 30. O termo "escola de samba" parece que conseguiu dar um novo ânimo às festividades carnavalescas. As escolas tinham a prática de fazer visitas umas às outras. Só a partir de 1932 há a preocupação de se organizar um desfile de escola de samba.
A Era Vargas marca um populismo jamais experimentado no Brasil.A aclamação popular, o discurso nacionalista, as promessas de um Brasil moralizado, aliados à personalidade carismática de Getúlio Vargas, trouxeram novas esperanças para a população, refletindo nas diversas manifestações sociais, nas artes, na música e na educação.
Antes de 1930, o Estado não intervinha na organização dos 3 dias de festa, embora estimulasse os foliões dentro de certos limites. O Carnaval das classes baixas era severamente controlado e até 1933 a polícia não concedia licença para que as escolas de samba realizassem desfiles.
O governo Vargas modificou essa situação, generalizando o intervencionismo estatal. Foram criados Departamentos de Turismo nos Estados, que passaram a ter um papel cada vez mais centralizador na organização do Carnaval.
Os velhos foliões diziam que a oficialização havia matado o Carnaval carioca, não por considerarem que o governo não devesse ajudar economicamente, mas, porque o auxílio, embora pequeno, criava uma mentalidade passiva nos grandes clubes, reflexo do caráter populista de Getúlio.

Assim, nos anos 30, o Carnaval ia de vento em popa e começava a se organizar: corsos na avenida, banhos de mar organizados pelo Centro de Cronistas Carnavalescos, bailes no Municipal. Surgiram, também, as fantasias bem acabadas de pierrô, colombina, odalisca, pirata, além das músicas que até hoje permanecem como "Com que roupa" de Noel Rosa, "Trem blindado" de João de Barro, uma clara referência à revolução paulista de 32, "Mamãe, eu quero" de Vicente Paiva e Jararaca, entre outras tantas.
Em 1933, foi criado o Rei Momo, que inicialmente era representado por um boneco de papelão colorido com uma coroa de lata. No ano seguinte, adquiriu a forma como conhecemos hoje: carne, osso e muita gordura. Nesse tempo, a Praça Onze era cenário da folia dos pobres. A classe média também procurava um lugar sob o sol de Momo, como assinalou José Ramos Tinhorão.
As escolas de samba, surgidas no final da década de 20, foram para o governo Vargas um canal de comunicação com as camadas mais pobres. Em 1937, um decreto de Getúlio determina que as escolas de samba dêem um caráter didático (histórico e patriótico) aos sambas-enredos.
Após a queda de Getúlio Vargas, no dia 29 de outubro de 1945, foram realizadas eleições para presidente da República e para a Assembléia Constituinte, com várias correntes políticas, inclusive o Partido Comunista, agora na legalidade.
Em 1947, o Partido Comunista elegeu a maior bancada na Câmara de Vereadores do Distrito Federal, contando com o apoio da União Geral das Escolas de Samba, após realização de um desfile de escolas de samba no Campo de São Cristóvão homenageando Luís Carlos Prestes. Em contrapartida o governo de direita promoveu a criação da Federação Brasileira das Escolas de Samba, esvaziando, assim, a UGES. Com isso, a Prefeitura do Distrito Federal passa a estabelecer o regulamento dos desfiles havendo um boicote por parte de várias escolas.
Nos bailes, algumas composições não podiam ser executadas, pois não havia autorização legal, a qual era fornecida pelas sociedades arrecadadoras, dificultando a possibilidade de escolha do povo, que só podia ouvir o que era permitido. A década de 50 representou a definitiva mercantilização do Carnaval. Getúlio Vargas, que sempre viu com simpatia os animadores da música popular, volta à presidência, por eleição direta, em 31 de janeiro de 1951, e decreta que todos os gabinetes oficiais tivessem sua foto na parede, pois com sua deposição em 1945 elas foram retiradas. Isso inspirou marchas como "Retrato do velho", de Haroldo Lobo e Marino Pinto, que dizia:

"Bota o retrato do velho outra vez
Bota no mesmo lugar
O sorriso do velhinho
Faz a gente trabalhar".

Se nos anos 40 e 50 as escolas de samba buscavam se estruturar com vistas a uma maior aceitação, é com a década de 60 que elas conseguem se firmar de vez junto à classe média, passando a ser vista como um produto altamente rentável junto aos turistas nacionais e estrangeiros. Foi justamente no primeiro Carnaval dos idos de 60 que a Secretaria de Turismo tem a idéia de vender ingressos para o desfile.
No último desfile realizado na Av. Rio Branco, em 1964, a Portela é a grande campeã com um enredo sobre o artista Rugendas. O Império Serrano trouxe para o desfile uma música que até hoje é considerada um dos mais belos sambas já gravados, Aquarela brasileira, de Silas de Oliveira.

O Carnaval de 1973 pode ser considerado como o início da "fase comercial" nos desfiles - os discos com as gravações dos sambas-enredo passaram a ser fenômeno de vendas no mercado fonográfico; uma emissora de TV ficara incumbida de gravar o desfile para ser transmitido no exterior. A Mangueira vence em uma disputa acirrada com o Império, ficando somente um ponto na frente. A escola de samba Beija-Flor de Nilópolis brilhou no desfile do segundo grupo com o enredo "Educação para o Desenvolvimento" (Veja que beleza de Nação...), e passou a fazer parte do grupo de elite do Carnaval no ano seguinte.
Em 1974, o desfile foi transferido para a Av. Antônio Carlos, por conta do início das obras do metrô na Presidente Vargas, causando um verdadeiro caos no trânsito da cidade. Começava o reinado de Joãozinho Trinta, que levava o Salgueiro a conseguir mais um campeonato com O rei de França na ilha da Assombração.
Nos seus dois primeiros anos no grupo de elite, a Beija-Flor apresentou enredos enaltecendo o governo: o PIS e o PASEP, e o milagre brasileiro -, conseguindo se fixar para sempre no primeiro grupo.
Com o fim do estado da Guanabara, o Carnaval de 1975 foi o último da chamada Cidade-Estado. Depois da construção da Ponte Presidente Costa e Silva (Rio-Niterói), Niterói passaria a fazer parte do estado do Rio. O Salgueiro foi bi-campeão no último Carnaval de Joãozinho Trinta pela escola. O bicheiro Anísio Abraão David levou o carnavalesco para Beija-Flor numa transação que envolveu cifras milionárias.
O desfile mudaria novamente de endereço em 1976, desta vez retornando para o seu local de origem, a Praça Onze. A Beija-Flor, patrocinada por Anísio, apresenta um Carnaval luxuoso e desfila com um enredo em homenagem aos banqueiros do jogo do bicho, Sonhar com rei dá leão. Brilha a estrela de Joãozinho Trinta, num ano em que o título não ficou entre os quatro grandes: Portela, Mangueira, Império Serrano e Salgueiro. A Em Cima da Hora com um samba que figura, até hoje, na lista dos dez melhores de todos os tempos, Os sertões ("Marcado pela própria natureza/ o Nordeste do meu Brasil"), ficou em penúltimo lugar e foi rebaixada.
A grande sensação do Carnaval de 1977 foi o Grêmio Recreativo de Arte Negra Quilombo, escola de samba fundada, no final de 1975, pelo sambista portelense Candeia e que representaria a resistência, tentando resgatar os valores tradicionais do Carnaval. A escola, que contou com a participação de grandes sambistas - Nei Lopes, Wilson Moreira, Monarco, Martinho da Vila etc - não participaria de competições. A Beija-Flor seria novamente campeã, em um ano em que as escolas tentaram trazer de volta os seus valores a fim de
combater a riqueza e a luxuosidade de duas escolas, que possuíam banqueiros de jogo do bicho como patronos: Beija-Flor e Mocidade »

Na minha televisão a preto e branco as Escolas não passavam inteiramente o deslumbramento dos seus arranjos mas a empolgação de todos, participantes e público , foi bastante para me arrastar aos bailes do Clube Comercial , um salão abarrotado de foliões mais ou menos enlouquecidos pelo barulho da orquestra que os empurrava para mais pular do que para sambar ! E em casa , na área coberta da garagem , as musicas de James Last tentavam recriar a alegria em substituição às musicas de Carnaval e de samba , de que eu não tinha discos .
Com o passar do Carnaval , as atividades voltavam à sua rotina , o cliente aprovava o início do Projeto de Vitória e eu tinha de me desdobrar entre Volta Redonda e Rio. A Cobrapi pagava as viagens , as estadias, refeições, eu tinha ajudas de custo, o que ainda deixava alguns cruzeiros sobrando para melhoria do salário !
Aquele estudo preliminar sobre Vitória marcou um êxito meu ! O engenheiro da GHH, um alemão simpático, falando brasileiro arrastado, achou esse estudo tão bom que me entregou a direção dos trabalhos, ele só daria um visto de supervisão ao final , e aquele engenheiro recém admitido , vindo da Cosigua – empresa privada reconhecidamente forte, exigente no desempenho dos seus funcionários – me diria que nunca tinha visto trabalho tão completo ! Bem, eu progredia , pelo menos achava isso !
Aquele jornal Estadão continuava a ser a minha leitura de todos os domingos , era reconfortante ver tantas páginas de anúncios de emprego, e também saber de notícias de Angola , de Portugal, que agora pareciam tão distantes. As mágoas iam-se esbatendo , as lembranças se diluíam na memória, mas o meu apego à EKA , a lembrança do prazer de um trabalho profissional tão gratificante, esses permaneciam vivos , eu gostava das atividades de Projeto de Engenharia, mas estas me pareciam impessoais, as vitórias eram sem emoção, como que rotinadas, apenas necessidades de sobrevivência minha e da Família, atividades que se iniciavam e terminavam sem emoção e sem saudade .
O Brasil tinha introduzido sistemas de correção automática pelos danos da inflação em todas as atividades envolvendo a moeda, salários também , os da Cobrapi eram reajustados anualmente em maio : ganhava 26.000 , com a inflação e um aumento real que não chegou a 5% ( eu me manifestaria ao CF, tão baixo ! ) , passara para 36.000 cruzeiros. Aquela Variant, que já estava bem maltratada , os dois faróis redondos da frente quebrados ! , foi trocada por um Opala Sedan , 1974, 4 cilindros, 2400 cm ³, alavanca de câmbio no assoalho, 4 velocidades , banco dianteiro inteiriço, cor verde , 30.000 Km rodados, brilhando de novo , espaço à vontade para 6 pessoas.

Mas o CF tinha mais trabalho para mim, um desafio inesperado, inquietante - ele me chama ao gabinete , agora em outro edifício , e me pede para desenvolver um Manual para a Gerência de Projeto da CSN, Estudo de Viabilidade da Expansão III ! Eu nunca me tinha interessado por tal atividade , poucos manuais tinha visto, a menos do manual dos equipamentos de rádio, o do carro , na Heineken não tinha tido acesso ! O pretexto é irresistível « o BIRD exige , eu já solicitei a vários engenheiros, não foram capazes, se tu não fizeres , ninguém faz ! » Não resisto ao argumento !
Não conheço o pessoal envolvido no Projeto, o CF faz uma reunião , me apresenta aos Gerentes , engenheiros há muitos anos na Cobrapi, experientes, a atividade é prioritária. Corro atrás de tudo que me possa ajudar, rebusco a Biblioteca , me aparecem manuais parciais , restritos , da USS e de outras empresas de projetos, mas me vão ajudar a compor o sumário, a desenvolver a lista de atividades necessárias. Reúno os Gerentes , dou a todos listas de trabalho, explico, são atividades em cada Gerência que têm de ser descritas, referidos critérios, feitos fluxos de documentos, definidos graus de responsabilidade dos órgãos e engenheiros participantes . Cada Gerência – Civil, Mecânica , Elétrica, etc -tem estruturas e mecanismos próprios, são os Gerentes que as montaram , eles certamente são os mais qualificados para as descrever, ao menos por forma sintética.
Estava enganado ! Nem um me devolveu alguma coisa ! Algumas reuniões de cobrança , falo com o CF, só vai ter um jeito – chamo cada um dos Gerentes, sento-o na minha frente e peço que me fale sobre o que faz , como faz ! O Manual vai saindo assim , e eu entendo que não se tratava de má vontade dos Gerentes e dos outros engenheiros, na verdade não sabem redigir para além do conteúdo técnico da atividade que estudaram , e assim mesmo o conteúdo é pobre de palavras e cheio de erros gramaticais ! A Cobrapi era uma empresa de elite , como seria fora dela ?
O Projeto para Vitória entra agora numa fase crítica , a elaboração das especificações para compra, o detalhamento do arranjo geral , que têm de ser feitos em colaboração com os engenheiros da Usina ( é exigência do Cliente – aquela assessoria da GHH não é mais precisa , o Cliente confia na Cobrapi ! ) , o que vai-me obrigar a permanecer no Rio e a viajar para Vitória inúmeras vezes. O alemão da GHH já me convidara para eu ir trabalhar com ele , em Minas Gerais ; e dos contatos no Rio , empresa que fazia alguns trabalhos para a Cobrapi, eu tinha recebido oferta para trabalhar ali mesmo . Achei que morar em Volta Redonda não faria nenhum sentido , melhor morar no Rio e me deslocar para Volta Redonda sempre que necessário .
Falo com o CF - o meu outro Chefe, que se sentava trás de mim naquele enorme salão , há muito eu apenas cumprimentava ! – ele me diz ser impossível que a Cobrapi autorizasse , tinha um aumento obrigatório de 25 % por transferência de cidade, eu faço falta em Volta Redonda , não vão autorizar , posso esquecer. Peço reunião com a Diretoria da Cobrapi, me dizem não . Bom , então estou de saída , avisei ! Uma semana depois digo ao CF que vou sair da Cobrapi, vou trabalhar no Rio, também empresa de projetos. Que não, nova reunião com a Diretoria, estou autorizado a ir para o Rio. Mas não , não aceito, já acertei com a outra empresa. Insistem , eu peço os 25% mais 10.000 ! Aceitam , eu fico com 55.000 cruzeiros de salário mensal , o preço de um Opala !
Estamos em julho, o contrato da casa em Volta Redonda vai até outubro, falo com o proprietário, ele abre mão de possível multa. No Rio de Janeiro encontro apartamento no bonito Bairro do Flamengo , Rua Honório de Barros, bem perto do magnífico Aterro, rua cheia de árvores , prédio antigo mas excelente, garagem , 3 º andar direito . Damos o Tora para um engenheiro nosso vizinho, com toda a pena pela perda do amigo, e corremos para o Rio, é Inverno mas as praias são lindas, o Aterro nunca perde a beleza !

Desse Aterro eu já tinha estória, com a Tininha , ia morar bem perto do local fatídico aonde um táxi , um fusca, havia passado por cima de uma enorme pedra , que veio rebentar de baixo de mim, eu atrás , à direita, sendo projetado contra o teto do carro, pensando em atentado, bomba na pista ! A Madrinha de nosso casamento , por parte da Tininha, senhora rica, viúva do proprietário da Fábrica de Madeiras onde meu Sogro trabalhava, tinha tido em criança uma queda de cavalo, sentia agora problemas na cabeça, tinha consultado os melhores especialistas, em última tentativa veio ao Rio de Janeiro para ser consultada por espiritualista, fazer aquela operação invisivel. Estava em hotel na Avenida Vieira Souto, nos convidara para passar por lá, matar saudades .Viemos ao Rio, ficamos no Hotel Bragança, na Lapa, e fomos visitar a senhora . Agradável Bar, pianista tocando ao fundo, a senhora conta sua desdita, já tinha feito a consulta, iria ser operada quando chegasse a Lisboa, à distância, prática de um médico já falecido que a procuraria , em espírito ! Eu ouço , calado, nunca simpatizei mesmo com a senhora, rica envaidecida, a Tininha faz esforço de manter conversa.
Saímos,vamos para o Bragança, de táxi , é bem de noite . O caminho é nosso conhecido, tem aquele Aterro enorme, escuro pela pouca iluminação externa, quase só as do carro . Eu vou desdenhando da crendice da senhora, critico a ingenuidade de aceitar tais coisas , operação invisível e à distância , data e hora marcadas !
Então, cortando o meu arrazoado, o motorista não vê, tem uma pedra enorme na frente do carro !
O fusca não anda mais, quebrou a caixa de câmbio, eu tenho enorme dor no pescoço. Sento ali, num banco, esperando novo táxi , confuso pela quase impossibilidade daquilo, mas certo de que nunca mais me permitiria comentários acerca daquele assunto !

A Rua Honório de Barros sai da Avenida Osvaldo Cruz para a Rua Senador Vergueiro , por detrás do Morro da Viúva que lhe tira a vista da enseada de Botafogo. É um local estritamente residencial, o comércio se estende pela Vergueiro, pelas ruas até ao Largo do Machado , ao Palácio do Catete .
Os Filhos estão em atividade na Escola, têm de ser transferidos . O Colégio Andrews fica próximo de casa, na Praia de Botafogo, no contorno da Enseada , nos aconselham ,dizem ser muito bom . Mas o Pedro não tem vaga na sua série, transferimos para o Colégio da Imaculada Conceição, também na Praia de Botafogo , um pouco antes de chegar ao Andrews. No primeiro dia , surpresa ! , as aulas da Olga são no Andrews do Humaitá, bem longe de casa, a Tininha tem que acompanhar nos primeiros dias , de ônibus .

« O casarão do Colégio Andrews foi erguido por volta de 1860 como residência do Visconde de Sousa Franco, em 1874 passou a ser sede do Club Guanabarense, um dos embriões do atual Botafogo FR, e em 1907 foi fundado o Automóvel Club do Brasil.

O Colégio Andrews foi fundado em 1918 e terá passado a ocupar o casarão em 1926. Ao ser criado, foi uma revolução para a época, pois era um colégio leigo e misto. Com o tempo, o Andrews se expandiu, com unidades na Tijuca, Humaitá e Barra.
Ladeando o casarão, ficavam de um lado o Ed. Caemi e do outro o Ed. Coral, prédio de quitinetes construído nos anos 50 e relativamente bem frequentado , ao contrário de outros edifícios das redondezas »

« O Colégio da Imaculada Conceição foi fundado em 08 de dezembro de 1854, a pedido do Imperador D. Pedro II, com o objetivo de educar na própria terra, as meninas e as jovens da sociedade brasileira, que até então emigravam para instruir-se na Europa, enfrentando os perigos do mar em frágeis embarcações, o afastamento de suas famílias e de lá voltavam imbuídas da cultura européia e de seus costumes tão diferentes dos nossos.
No ano letivo de 1854, onze Filhas da Caridade de São Vicente de Paulo, iniciaram as atividades escolares na Rua do Livramento, 120, primeira sede do Colégio, que no ano seguinte, seria transferido para o Novo Caminho de Botafogo, s/nº, hoje Praia de Botafogo, 266.
O Colégio nasceu e cresceu sob o olhar da Virgem Imaculada que lhe deu o nome e singular proteção ao longo de toda a sua trajetória.
Ministrando uma educação de excelência, fiel à filosofia humanista, cristã e vicentina que inspirou suas fundadoras, o Imaculada é um marco na Educação Nacional, com seus ex-alunos espalhados pelas várias regiões do país e por diversos continentes »

Frequentes mudanças de colégio podiam abalar o bom desempenho escolar, o João António já tinha estudado em Pombal , Dondo , Setúbal, Volta Redonda e agora Rio de Janeiro ! Mas ao contrário, isso lhes dava agilidade que surpreendia os professores , trazia experiências que em casa a Tininha procurava encaminhar para lhes melhorar a formação escolar e humana ; de todos eles, as respostas eram boas, às vezes um pouco dificultadas pelos receios da Paula , talvez timidez, que eu procurava solucionar através de maior proteção , causa de escondidos ciúmes dos outros, ou por exagerada sofreguidão e ansiedade da Olga, que se manifestava na rispidez com os irmãos e colegas , às vezes já ensaiada para conosco, e que eu procurava combater pela imposição de disciplina , quase sempre sem êxito , para minha frustração .
No trabalho diário de educação dos Filhos , valiam os aprendizados que trazíamos da nossa própria educação e dos casos reconhecidos no nosso entorno, assim , as formas , as regras, elas advinham para mim e para a Tininha dessas experiências , da aplicação do bom senso e da certeza que tínhamos, inabalável, de que educar os nossos Filhos seria dar para eles condições de virem a ser adultos íntegros, corretos, honestos, trabalhadores, independentes , com capacidade de êxito profissional e humano ; para tanto , também intuíamos que às vezes essa tarefa nos obrigaria a ações dolorosas mas que aqueles objetivos justificariam e a continuidade da Vida as validariam. . E até à data só tínhamos motivos para nos orgulharmos de todos, pelos elogios que recebíamos de professores e amigos , pelo comportamento que observávamos em todos quando saíamos para onde quer que fossemos .
A mudança de residência viria logo a seguir acompanhada da troca do carro , outro Opala verde, mas agora novo , trocado num sábado à tarde, solução de impulso passando pela concessionária só para olhar !, e pela compra de uma TV colorida, Sharp 21 polegadas , dando colorido às noticias e às novelas assistidas pela Tininha , na Globo « O Espelho Mágico » e na Rede Tupi « O Profeta » .

O Projeto de Vitória me obrigava a frequentes deslocações à Usina , onde as discussões com dois bons engenheiros faziam alongar os trabalhos mas me levavam a um ótimo aprendizado ; também a assistência à CSN entrava agora numa fase mais crítica , com a posta em marcha e um estudo para aquisição de uma terceira máquina de lingotamento contínuo para placas . A USS tinha apresentado uma proposta para fornecimento dessa máquina, eu a analisava entre surpreso e desconfiado , as suas especificações superavam em muito as de todas as máquinas instaladas no Mundo ! E junto com a oferta dessa máquina , a USS tinha apresentado um magnífico estudo computadorizado através do qual se simulava o desempenho real da máquina integrada no ambiente da Aciaria, com os dois conversores e as outras duas máquinas já existentes, se acompanhando por esse estudo as efetivas capacidades de produção e as qualidades dos produtos, na simulação das ocorrências como da vida real se tratasse , numa fantástica demonstração da capacidade tecnológica da USS utilizando as possibilidades da computação que na Cobrapi e até no Brasil nem eram ainda sonhadas ! Esse estudo marcava a minha imaginação !

O nosso novo Opala nos levava nos finais de semana a percorrer o Rio de Janeiro e a descobrir muitos dos seus encantos que ainda não conhecíamos , a Lagoa Rodrigo de Freitas , a Barra da Tijuca , a ótima praia desta e aqui um restaurante que adotaríamos como nosso predileto, o Tarantela , pela ótima sardela e um pão com pedrinhas de sal que acompanhando a cerveja nos ajudava a relaxar nas noites de calor.

« Cercada pelos mais badalados bairros cariocas - Lagoa, Ipanema, Leblon, Gávea e Jardim Botânico -, emoldurada por montanhas e abraçada pelo Cristo Redentor, a Lagoa Rodrigo de Freitas impressiona pelo pôr-do-sol e o reflexo dourado em suas águas plácidas e silenciosas . Unida ao mar pelo canal do Jardim de Alah, entre Ipanema e Leblon, suas margens de 7,5 Km abrigam parques, quadras de esportes, rinque de patinação, pista para caminhadas e corrida, ciclovia e um centro gastronômico distribuído por quiosques que oferecem de comida alemã a japonesa, além de música ao vivo a partir do anoitecer. Isso sem falar nos passeios de pedalinho que, nos domingos e feriados, proporcionam uma visão única de tudo que um dos mais belos cartões-postais cariocas revela »

« As terras ocupadas pela Barra da Tijuca constituem um grande triângulo em que a base é a extensa praia do litoral e os lados os maciços da Pedra Branca e da Tijuca. As condições adversas da região (muitos lagos, rios e alagadiços) e as dificuldades causadas pela falta de infra-estrutura fizeram com que até ao final dos anos 50 a Barra fosse quase desconhecida. Só a partir da década seguinte e, principalmente agora nos anos 70, com a implantação de vias mais adequadas, se verificava a construção dos primeiros grandes empreendimentos imobiliários e o desenvolvimento de atividades comerciais . A Barra apresenta uma urbanização totalmente diferente da maioria dos bairros do Rio de Janeiro, com uma predominância de ruas largas ; a Avenida das Américas , a mais característica , se estende desde o início da Barra até ao bairro de Vargem Grande passando ainda pelo Recreio dos Bandeirantes .

De águas esverdeadas e límpidas e com uma formação de ondas bastante peculiar, bons quiosques e restaurantes , a Barra começava a ser descoberta como alternativa mais tranquila às praias de Copacabana e de Ipanema »

A Olga tinha ido para aquele Colégio Andrews em Humaitá, longe de casa e que logo se revelava estranho, talvez apenas fosse o Brasil que não conhecíamos ainda ! A Tininha é chamada ao Colégio, a professora se queixa da Olga, 11 anos, porque ela não se vinha relacionando com as colegas, que se pintavam , namoravam , tinham vida social já de adultas , a professora achava estranho porque a Olga não se comportava do mesmo jeito, era excluída em consequência ! Para a professora, educadora, a Olga estava errada !
Sem discutir, a Tininha tirou a Olga daquele Colégio, transferiu-a para o Colégio onde já estava o Pedro, da Imaculada Conceição, menos despesa de ônibus e aquela professora podia voltar a ter paz.

A Senador Vergueiro era a rua das compras diárias da Tininha , feira de rua duas vezes por semana, em rua lateral, vários supermercados , lojas , galerias comerciais , bares e restaurantes, apresentação típica de comércio voltado para os moradores locais. Mas destoando desse quase provincianismo , era rua de passagem entre Botafogo e Larangeiras , Catete , Largo do Machado e o Centro , o que levava a um grande fluxo de veículos .
Um dia de compras em supermercado , a Tininha depara com uma senhora que olha para ela com insistência ! Mal acreditando, identifica uma colega do Laboratório em que tinha trabalhado em Lisboa, depois que saiu da Faculdade de Ciências , até casar e ir para Moçambique ! Essa amiga morava ali , em andar alto de belíssimo prédio no encontro das Avenidas Osvaldo Cruz e Rui Barbosa, na Praça do Índio , frente para o Aterro e para o mar da enseada ; o marido era também engenheiro, era Diretor Industrial de uma fábrica de tintas, dinamarquesa, especializada em tintas
marítimas , instalada na Baixada Fluminense . Ela , formada em Farmácia, tinha comprado uma farmácia, ali ao final da Senador Vergueiro . Tinham dois filhos , casal, a mãe dele vivia com eles , sempre bastante doente . Excelente casal que passaríamos a ter como amigos e com isso a poder admirar o Rio e a costa de Niterói da varanda privilegiada daquele prédio.

O final de 1977 nos levaria de novo à Avenida Atlântica , ao meio da multidão que festejava as suas crenças , e que à meia noite se deslumbrava com os magníficos fogos de artifício e se prometia mudanças que breve seriam esquecidas .

Admirados por nós tantas vezes , de longe, o Pão de Açúcar e o Corcovado atraíam para uma visita, verdadeiros cartões postais do Rio, indispensáveis.

« O Corcovado fica no Parque Nacional da Tijuca , a 709 metros acima do nível do mar. É um mirante de onde é possível se contemplar quase toda a cidade e onde se encontra um dos mais belos cartões postais do Rio, o Cristo Redentor , a maior estátua em art déco do Mundo . Inaugurada em 1931, depois de quase cinco anos de construção , a estátua pesa 1145 toneladas e mede 32 metros de altura (contando com os 8 metros de pedestal, onde há uma capela).
A subida podia ser feita por carro ou por um trenzinho pela Estrada de Ferro do Corcovado, inaugurada por D. Pedro II em 1884 e uma das mais antigas do País.
A construção de um monumento religioso no morro do Corcovado foi sugerida pela primeira vez em 1859 pela Princesa Isabel. Somente em 1921 quando se avizinhavam as comemorações pelo centenário da Independência do Brasil foram apresentadas propostas sérias sobre a construção . Na ocasião foram construídas duas estradas, uma de ferro e outra rodoviária para facilitar o envio de material para a construção »

« Idealizado em 1908 , o Bondinho do Pão de Açúcar foi inaugurado em outubro de 1912 . Primeiro teleférico instalado no Brasil e terceiro no Mundo, é um dos mais importantes ícones do turismo carioca, tornando-se uma das principais marcas registradas da cidade do Rio de Janeiro .
Considerado um dos mais seguros do Mundo pelas entidades internacionais de teleféricos de passageiros, o Bondinho do Pão de Açúcar circula sem ter registrado nenhum acidente com vítimas.
O complexo turístico é formado por três estações – a da Praia Vermelha, Morro da Urca e Pão de Açúcar – interligadas por quatro bondinhos – dois no trecho Praia Vermelha/Morro da Urca e dois no trecho Morro da Urca/Pão de Açúcar. O Morro da Urca tem 220m de altura e o do Pão de Açúcar, 396m.
Cercado por uma vegetação característica do clima tropical, com resquícios de Mata Atlântica, possui espécies nativas que em outros pontos da vegetação litorânea brasileira já foram extintas, e também raras espécies vegetais, como a orquídea “laelia lobata”, que só floresce em dois locais no Planeta: no Morro do Pão de Açúcar e na Pedra da Gávea, ambos no Rio de Janeiro.
Além de marco turístico e ecológico da cidade do Rio de Janeiro, o complexo é também um importante pólo cultural. Na década de 70, passou a abrigar no anfiteatro do Morro da Urca – chamado “Concha Verde” – shows musicais que lançaram grandes talentos da música brasileira, numa programação que chegou a reunir 50 mil pessoas por ano. A Concha Verde era também palco de badalados bailes carnavalescos .
A história do bondinho está diretamente ligada ao desenvolvimento da cidade: seu idealizador, Augusto Ferreira Ramos, imaginou um caminho aéreo até o Pão de Açúcar ao participar, em 1908, de uma exposição na Praia Vermelha em comemoração ao centenário da abertura dos portos às nações amigas.
Foi fundada então a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar e, em 1910, foi iniciada a construção do primeiro teleférico brasileiro. Na obra trabalharam brasileiros e portugueses com equipamentos e materiais alemães, que foram transportados para o alto dos dois morros por centenas de operários realizando perigosas escaladas, numa ousada operação para a engenharia da época .
O trecho inicial, entre a Praia Vermelha e o Morro da Urca, numa extensão de 575m, foi inaugurado em outubro de 1912, quando 577 pessoas subiram ao morro da Urca no bondinho de madeira, com capacidade para 24 pessoas. No ano seguinte, em janeiro de 1913, foi inaugurado o trecho morro da Urca/Pão de Açúcar, com extensão de 750m.
Em maio de 1969, já sob a administração do engenheiro Cristóvão Leite de Castro, a Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar, através de contrato assinado com o Governo da Guanabara, teria que duplicar a linha aérea, que passaria a ser servida por dois bondinhos. A empresa resolveu, então, instalar novo e moderno teleférico, com quatro carros, cada um com capacidade para 75 pessoas. A obra exigiu o desmonte de três grandes blocos de pedra do alto do Pão de Açúcar, pesando mil toneladas, e durou dois anos para ser concluída. Em outubro de 1972 os atuais bondinhos começaram a funcionar.
Há várias versões históricas a respeito da origem do nome Pão de Açúcar. Segundo o historiador Vieira Fazenda, foram os portugueses que deram esse nome, pois durante o apogeu do cultivo da cana-de-açúcar no Brasil (Séculos XVI e XVII), após a cana ser espremida e o caldo fervido e apurado, os blocos de açúcar eram colocados em uma forma de barro cônica para transportá-lo para a Europa, que era denominada pão de açúcar. A semelhança do penhasco carioca com aquela forma de barro teria originado o nome »

As noites de verão de Copacabana eram esplêndidas ! Nos finais de semana, depois do calor da praia e da admiração da beleza estética das gentes que a lotavam , passarela de moda e de vida, as esplanadas dos restaurantes se enchiam de grupos alegres , que se divertiam e divertiam os outros, com a musica , tocada, cantada, às vezes a dança, o contínuo passar de gente que se mostrava e ganhava o ar refrescante da noite. Os vendedores ambulantes perambulavam pelas esplanadas , os vendedores de artesanato mostravam os seus trabalhos nas calçadas de pedra portuguesa . Aproximando-se o Carnaval, o samba era mais insistente, como que ensaio para a alegria dos grandes desfiles e bailes que estavam por vir. Nós assistíamos, às vezes em surpresa , quase sempre em admiração , jantávamos, ficávamos ali também por uma esplanada , tempo passando fácil.

Assim observado, o Rio de Janeiro aparecia maravilhoso, as favelas não existiam, a luta pela subsistência no interior delas não era lembrada. Os meus receios tidos durante aquela estadia no Rio há dois anos estavam esquecidos, eu me habituara a considerar como normal o grande número de desprotegidos , que também para mim já só faziam parte daqueles cenários maravilhosos como um pano de fundo inerte, imutável.

O Carnaval deste ano , com os desfiles pela primeira vez no Sambódromo da Sapucaí, é ganho de novo pela Escola da Beija Flor, em apresentação de um luxo ostensivo que levaria o seu carnavalesco Joãozinho Trinta a emitir a frase « o Povo gosta de luxo ; quem gosta de miséria é intelectual ! » O Povo era feliz e eu podia me deslumbrar com o Rio de Janeiro !
Na TV colorida os desfiles tinham ganho um interesse deslumbrado que fazia ficar até de madrugada assistindo e, depois , às tardes e noites , vir para a Rio Branco engrossar as multidões que se divertiam com as caricaturas exóticas de uns, com as manifestações despudoradas de tantos outros, com os grupos de gays que nesses dias tinham a oportunidade de expor a sua teatralidade . A TV mostrava o Carnaval que acontecia em Salvador, no Recife, e nos deixava a vontade de também por lá nos perdermos .

Depois, devagar , o Brasil voltava à normalidade , eu tinha aquele estudo sobre a máquina de lingotamento contínuo da CSN , que me levaria a dizer ao engenheiro da USS que embora eu acreditasse na capacidade tecnológica dos americanos – afinal vocês foram à Lua ! – eu tinha a certeza que aquela máquina daquela proposta , com aquelas velocidade ( loucas ! ) , eles nunca fariam !
A Cobrapi e a CSN já tinham também a certeza de que os aspectos comerciais estavam por demais influenciando aquela assessoria da USS, eles eram principalmente fornecedores de equipamentos - grande parte dos equipamentos instalados na Usina era deles - e resolvia solicitar pareceres à Nippon Steel, que dava assessoria à Usiminas .

Com o RT , o Diretor Comercial da EKA, eu sempre mantivera contacto , sabia que ele viria ao Brasil, talvez por saudades daquela filha de um General de quem em outra visita na saída de Angola ele tinha fugido !
Fomos encontrá -lo uma noite em casa de amigos na Vieira Souto, donde saímos para jantar no Gallery, luxuoso clube privado do Rio de Janeiro a que os dois casais amigos que o acompanhavam tinham acesso . O tempo se passou no recordar dos bons tempos em Angola, daquela passagem de Ano de 1973 que o RT dizia não mais esquecer , e na construção de tentativa para trazer a Heineken para o Brasil !
Esse sonho quase impossível eu vinha procurando realizar ! Tinha começado em Volta Redonda com o colega português que me vendeu a Variant, ele dizia ter relacionamento com um político que ao tempo estava na França como Embaixador do Brasil , Delfim Netto, Ministro da Fazenda nos anos de 1967 a 1974 , e que estaria retornando ao País , poderíamos ter chances com ele .
Através desse colega eu tinha conhecido um ex-funcionário da Cervejaria Brahma , de descendência alemã, que igualmente tinha o sonho de montar uma fábrica de cervejas . Pessoa simples, casado, morava em Botafogo, tinha alguns conhecimentos pessoais, eu podia ser ótimo elo pela minha ligação com a Heineken.

Na Cobrapi , o Projeto de Vitória me ocupava nas continuadas reuniões na Usina , na elaboração de especificações para a compra de equipamentos , que envolviam a necessidade de entrar em pormenorizações mecânicas e elétrico – eletrônicas das quais a minha experiência anterior era fraca , e na composição do lay-out para as novas instalações , que era só por si um enorme desafio pelas características do local ao lado da Usina já existente e que obrigavam à construção de uma via elevada para por ela entrar com linha férrea vinda dessa Usina para a nova .

A Cobrapi ocupava vários andares no edifício , muitas vezes eu me deslocava de um andar para outro pela escada de serviço. Numa dessas idas e vindas, o Gerente Geral me encontra, está muito preocupado , Quintas você tem de me ajudar ! Para todo o mundo desde que chegara à Cobrapi eu era Quintas ! Acontecia que a Cobrapi estava elaborando um Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Financeira para uma Usina existente em Manaus, de história bem demonstrativa do modo de fazer negócios no Brasil !

Na região amazônica , para cima mais de 500 Km a montante do Rio Negro, tinham sido descobertas jazidas de minério de ferro, levando um esperto empresário local a pensar montar uma usina siderúrgica em Manaus , início dos anos 70. Consegue grandes empréstimos em 3 Bancos , com as mesmas garantias ! , leva o Governo a avalizar uma vultosa emissão de Ações , consegue um projeto para a Usina e encomenda os equipamentos a uma fábrica espanhola. Tem o ( mini )Alto Forno pronto, traz algum minério de ferro por barcaça , 500 Km de rio, decide carregar o Alto Forno . Não tinham sido feitos testes com esse minério , ele tinha uma composição péssima que obrigava a extremos cuidados na operação do Alto Forno – aconteceu o que era esperado, o Forno entupiu ! Nada saía , nada entrava ! O empresário foge para a Europa, com o dinheiro dos empréstimos bancários e da venda de Ações, os equipamentos ficam encaixotados na Usina, uma grande parte ainda na Fábrica em Espanha, que não vê o dinheiro ! O Governo tem de honrar o aval das Ações, indeniza os compradores, fica dono da Usina.

Agora, anos depois, o Governo de Manaus tinha pedido à Cobrapi para fazer o estudo, procurando aproveitar o que por lá estava e o que ainda estava em Espanha. Um estudo dificílimo porque tinha que resolver os problemas da condução do Alto Forno , de como trazer o minério para Manaus – durante 6 meses no ano o Rio Negro era intransitável em parte dele , das Minas de minério de ferro até meia distância de Manaus ! – o aspecto comercial ( a demanda local era muito pequena ! ) e ainda conseguir o máximo aproveitamento daquelas « coisas » nos caixotes.
O Gerente desse Projeto, engenheiro ali da Cobrapi, estava sendo incapaz de ordenar todas as informações que já tinha, cinco meses passados do início, faltando um só para a entrega do Relatório final.
Peço que encontrem uma sala vazia , coloquem nela uma grande mesa e em cima todos os documentos que existissem do Projeto , para eu avaliar. Fico três dias encafuado naquela sala , chamo cada um dos participantes, tem Empresas terceirizadas que fizeram estudos, sobre o Alto Forno, Estudo de Mercados, levantamentos na região. Aceito o trabalho, quero autoridade plena e , fundamental, não quero ter de ir a Manaus !

Reúno todos os engenheiros, faço listagens de informações faltantes, amarro datas, um cronograma de tudo até à entrega final, menos de um mês. Peço informações para Manaus , sobre aquele Rio Negro, disponibilidade de áreas para pátios de minérios, em Manaus e a meio caminho , na região de interrupção de navegabilidade do Rio.

« O Rio Negro nasce na região pré-andina da Colômbia . Em seu curso, percorre 1700 quilômetros, quase a distância de São Paulo a Salvador. Da nascente à foz, a viagem dura um mês e meio. Na longa jornada, a água carrega folhas e outras matérias orgânicas que a tingem de âmbar.
É um dos três maiores rios do mundo; o fluxo de água que passa por seu leito é maior do que o de todos os rios europeus reunidos e, no Brasil, perde apenas para o Amazonas. Tem quilômetros de largura e mais de mil ilhas que se agrupam em dois arquipélagos: Anavilhanas, próximo de Manaus, e Mariuá, no médio Rio Negro, na região de Barcelos. São os maiores arquipélagos fluviais do mundo. Próximo a Manaus, que se ergue em sua margem esquerda, forma um estuário de cerca de seis quilômetros de largura no encontro com o Rio Solimões, daí em diante chamado Amazonas.
O nível das águas depende da estação do ano. Entre o ponto mais baixo da seca e o mais alto da cheia, a variação é de 9 a 12 metros. Como o nível máximo deixa marca de umidade nas árvores das margens antes inundadas, no auge da seca é possível fazer idéia do volume absurdo de água escoada entre uma estação e outra.
Dessa diferença resultam paisagens incrivelmente diversas. Na cheia, o Rio invade a floresta por muitos quilômetros. Com uma canoa pode-se remar no meio das árvores e penetrar a floresta submersa, entre os raios de sol que escapam do filtro das copas e incidem sobre a água escura. O canto dos pássaros impõe a paz no espírito do visitante.
Na seca, surgem as praias e emergem ilhas de areia branca, às vezes tão fina que parece talco. Não fosse a marca da água no tronco das árvores, impossível lembrar que tanta beleza estivesse anteriormente submersa. Nessa época, os barrancos da margem expõem as camadas do solo, troncos e raízes retorcidas que assumem formas esculturais de rara criatividade.

No tempo em que a Cordilheira dos Andes nem existia, o rio Amazonas corria no sentido inverso ao atual, na direção do Pacífico. Há centenas de milhões de anos, quando aquele conjunto de montanhas se levantou, o rio ficou impedido de seguir em frente e formou um grande lago. Impotentes diante da barreira colossal, as águas represadas escoaram no sentido oposto e abriram caminho para o Atlântico .

O Rio Negro apresenta um elevado grau de acidez, com pH 3,8 a 4,9 , devido à grande quantidade de ácidos orgânicos provenientes da decomposição da vegetação. Por isso, a água apresenta uma coloração escura (parecida com a do chá preto). Em alguns pontos o reflexo das árvores na água é como a de um espelho. A visibilidade varia entre 1,50 e 2,50 metros.

A pobreza de nutrientes de suas águas escuras não oferece condições favoráveis à agricultura. A acidez, que dificulta o aparecimento de insetos, como os mosquitos que infernizam a vida dos visitantes nos rios de águas barrentas da Amazônia, afeta toda a cadeia de vida animal na região. As matas da bacia do Rio Negro são comparativamente pobres em animais terrestres e aquáticos. Condições desfavoráveis para caça e cultivo da terra explicam a baixa densidade populacional e o pequeno impacto da interferência humana até hoje sofrido pelas florestas locais. É conhecido como o "rio da fome".

A enorme região da bacia do Rio Negro é ocupada por dois grupos étnicos principais: índios e caboclos. Apesar de viverem apenas cerca de 20 mil índios nas terras indígenas oficializadas da parte brasileira da bacia, o número de índios destribalizados que migraram para as cidades é grande. Em São Gabriel, por exemplo, constituem a imensa maioria da população que não pára de crescer do centro para os bairros periféricos, onde se instalam os que acabaram de chegar.

Estrada única a ligar todas as cidades e comunidades que vivem às suas margens, o Rio é um vai-e-vem incessante de pessoas e mercadorias. Por suas águas, os barcos-recreio, coloridos pelas redes esticadas para acomodar os viajantes, transportam alimentos, máquinas, material de construção, a produção de farinha de mandioca e de piaçaba e o incipiente artesanato local.
Quem viaja de barco pelo rio Negro dá-se conta das enormes distâncias a percorrer. De Manaus a São Gabriel da Cachoeira, a viagem pode durar uma semana ou mais dependendo da potência do motor e da altura das águas. Rio acima, na direção da Colômbia, o movimento de barcos diminui muito e as dificuldades aumentam »

Faltam quinze dias para a data final , o Gerente do Escritório me procura, preocupado , não vê nada datilografado ! Começo a ter todos os documentos , o Projeto faz sentido técnico, os estudos econômicos e financeiros estão chegando ao fim , os desenhos também . Monto um grupo de datilógrafas, faço um manual com o padrão de datilografia e de composição do Relatório .

No dia final, o Relatório é entregue ao Cliente ! Mas eu tinha feito uma guerra ali, entre as pessoas e os conceitos pelos quais se orientavam ! Sabia que a maioria não tinha gostado – acho que até o Gerente do Escritório ! Eu não estava trabalhando com holandeses !

Estávamos em agosto, o Papa Paulo VI tinha morrido , John Travolta brilhava no cinema com « Saturday Night Fever » . O inverno carioca nos remetia mais para casa e para os bares escondidos do frio , as praias sofriam a batida das águas do mar, a Avenida Atlântica ficava desfigurada .
É eleito o Papa João Paulo I, o Papa Sorridente, que morre um mês depois , talvez de enfarte de miocárdio ou embolia pulmonar , em consequência das terríveis pressões do seu cargo, ou talvez assassinado como estaria previsto nas previsões do profeta francês do Século XVI Nostradamus , na sua obra Centúrias , por Bispos ligados ao Banco do Vaticano , à Maçonaria , ao Opus Dei, que João Paulo I estaria começando a investigar ; outra causa para o assassinato estaria nas suas claras intenções em revisar as posições tradicionais da Igreja Católica sobre temas como aborto , contracepção e política. A Igreja Católica nunca permitiu a autópsia dos seus Papas !
É eleito o Papa João Paulo II , Karol Wojtyla, nascido em Wadowice, ao Sul da Polónia, o primeiro Papa não italiano em 450 anos , um pontífice conservador em relação àquelas questões .

A Nippon Steel vem claramente dar razão ao meu parecer ! Colocados perante a especificação da USS para a máquina de lingotamento contínuo de placas, em reunião, os seus representantes se dedicam apenas a rápida leitura , passam a expor as especificações da máquina que eles acham indicada, de performances bem abaixo daquelas da máquina da USS, mas no topo dos padrões mundiais conhecidos ! A CSN decidiria a seguir pelo cancelamento do Contrato com a USS para Consultoria ao Projeto , certamente por mais outras razões que não apenas aquela .

Os meus esforços para trazer a Heineken para o Brasil pareciam poder ter êxito ! Aquele ex – funcionário da Brahma consegue contato com o dono da Distribuidora Coca Cola em Resende , a Sul do Estado do Rio de Janeiro, divisa com São Paulo , na Rodovia Presidente Dutra , a 150 Km do Rio . Ele dispõe de área no Distrito Industrial, está interessado em participar do empreendimento , tem as equipes de distribuição da Coca Cola , ótima vantagem. Visitamos indústrias já instaladas naquele Distrito, obtemos análise da água local, excelente. Vamos na casa dele em Resende , almoçamos, ele é firme na intenção , quer um contato com a Heineken .
Escrevo para o RT , conto da possibilidade. Tenho sorte, Monsieur B , do Banque Lambert e da Ibecor , que me convidara para Diretor Geral da EKA, está em visita ao México, vai atender ao meu interesse , vem ao Rio de Janeiro.
Vou encontrá-lo em pequeno hotel na Glória – ele é simples, evita gastar dinheiro, eu penso ! – conto a estória , ele tem sincero interesse.
O meu colega marca reunião com o dono da Distribuidora, vamos com Monsieur B para Resende . Eu tinha feito um projeto preliminar da instalação , volume de produção, investimentos , com base em levantamento de preços de fornecedores no Brasil. Visitamos o local no Distrito Industrial, explico a localização em relação ao Rio e a São Paulo, os cálculos que tinha feito . No almoço , Monsieur B está entusiasmado , a capacidade de produção será a do dobro que eu tinha imaginado, pensa em fabricar aqui para atender também as necessidades da Argentina , os meus cálculos de investimento estão certos, mas dobram ( 100 milhões de dólares ! ) . Falamos de eventual problema de fornecimento de garrafas, ele diz que o Banque Lambert é sócio da fábrica aqui no Brasil ( Santa Marina , Saint Gobain ) ! Bem , pelo lado belga ele dá o OK, ele vai falar com os holandeses , majoritários, acha que devem estar interessados . Estamos no final de 1978, o ano seguinte pode ser o meu ano da sorte grande !

Escrevo para o RT contando o êxito da visita . Talvez pudéssemos voltar a trabalhar juntos !

Algum tempo depois recebo carta do RT , com telegrama enviado para ele por Monsieur B acerca do nosso projeto – lamento , mas os nossos amigos holandeses não querem investir no Brasil ! Assim , estava enterrado o nosso sonho , aquela mão que nos acompanha ! , ou não ! , tinha decidido que a minha Viagem não o comportaria !

Antes do Final de Ano eu teria outra surpresa : o CF se desligava da Cobrapi e aceitava o cargo de Diretor Fabril de uma Siderúrgica em Sorocaba, no Estado de São Paulo .

A Cobrapi Rio ganha mais um projeto, com proposta minha , agora para fazer um estudo de ampliação da Aciaria de uma Usina na Bahia. O Projeto para Vitória continua, o de Manaus está em análise pelo Governo local, a minha equipa de Engenharia Básica formada com aquele engenheiro que fui buscar à Cosigua e depois um outro também oriundo da Cosigua , mais alguns – engenheiros e desenhistas - que já trabalhavam na Cobrapi, está em plena atividade. Não sem alguns sustos, pela inexperiência, como com um pequeno Projeto para a Cosipa, através do Escritório da Cobrapi em São Paulo : era preciso determinar se as áreas disponíveis na Usina eram suficientes para uma expansão , tendo em atenção as novas necessidades dos parques de matérias primas. Dei esse trabalho para um engenheiro, recebi os cálculos , eu tinha idéia visual do que deveriam ser essas áreas , por comparação com as que eram ocupadas na data, fiquei surpreso , as novas áreas calculadas eram muito pequenas ! Pedi para revisar, que não , estavam certas. Vou ter de fazer eu os cálculos, e depressa descubro que aquele engenheiro achava que minério estocado livremente ganhava forma de cubo ! Não era só o não saberem escrever !

A posta em marcha da Aciaria da CSN me levaria a fazer um artigo para publicação em revista de Metalurgia e para exposição em plenário pelo Gerente dessa Aciaria em Congresso em São Paulo , cooperação entre Cobrapi e CSN. Mas esse artigo me faria passar um momento trágico – cômico ! O CF ainda estava na Cobrapi, um sábado ele trabalhava nos escritórios da CSN no Rio, queria que lhe levasse esse artigo , para aprovação final dele e da CSN . O escritório era na Avenida República do Chile, centro do Rio, grande edifício, o CF estava no 21º andar ; subo, entrego, quando vou descer acontece corte de energia. Espero, resolvo descer pela escada de serviço. Poucos andares vencidos, ouço na minha frente , dois ou três andares abaixo, passos de mulher também descendo ; acelero um pouco, dois descendo juntos é melhor do que um sozinho , na minha frente os passos aceleram também ! São muitos andares, bastante cansativo mesmo descendo, acelero mais um pouco, os passos na frente fogem ! Quando chego ao hall de entrada , uma senhora , nova, está cansadíssima , não consegue andar, assustada !
Esse episódio me lembrava o que anteriormente tinha acontecido na Senador Vergueiro, um sábado também. Pouco antes do meio dia, eu tinha ido comprar o jornal ; na minha frente uma moça, nova ; eu sigo atrás , ao longo da rua . Na esquina da Senador com a Honório de Barros , ela vira à esquerda, eu viro também. No meu prédio, uns 50 metros da esquina, ela entra. Eu vou para minha casa, que fazer ?, entro . Ela chama o elevador, ficamos ali esperando , a moça está com medo. Entramos, ela tocou para o 3º andar, é o meu , não preciso tocar . A moça está visivelmente assustada , se encosta num canto, o que eu posso fazer ?! Ela sai do elevador , vai para a esquerda, eu para a direita, ela é minha vizinha , sorri aliviada !

Não que a violência no Rio chegasse a assustar , mas vinham acontecendo casos aqui e ali , quase sempre pequenas coisas , as pessoas se alertavam. A Olga Maria tinha sido apanhada dentro de um supermercado na Senador no momento de um assalto aos caixas, o João António vindo do Colégio com outro amigo tinha tido uma faca apontada por um pivete que lhe ficou com o relógio. Essa violência parecia fazer parte do Rio !

Primeiras semanas de 1979, vou dar início ao Projeto na Bahia , Salvador. Verão , muito quente, vão também dois engenheiros da Usina de Vitória, vai aquele engenheiro que eu fui buscar na Cosigua. À saída do aeroporto , um grande outdoor nos dá as boas vindas – sorria, você está na Bahia ! Era verdade , podia sorrir, o Sol magnífico parecia cúmplice da alegria da cidade , com as belas praias de areias brancas e coqueirais, por onde fluíam gentes de uma cumplicidade atraente e amiga , simples , afetivas, que dali se espalhavam pelas ruas estreitas da cidade , subindo até ao Pelourinho , colorindo aquele belo conjunto de arquitetura barroca, enchendo o Mercado Modelo com o seu artesanato . Estava na Roma Negra , a cidade com o maior número de descendentes de africanos no Mundo , 75 % da população da cor negra ou parda.

« A orla marítima de Salvador é uma das maiores do Brasil. São 50 quilômetros de praias distribuídas entre a cidade alta e a cidade baixa, desde Inema, no subúrbio ferroviário até à Praia do Flamengo, no extremo oposto da cidade. Enquanto as praias da cidade baixa são banhadas pelas águas da Baía de Todos os Santos - a mais extensa do país, com 1052 quilômetros de espelho d´água - as praias da cidade alta, do Farol da Barra até ao Flamengo, são banhadas pelo Oceano Atlântico. A exceção é o Porto da Barra, única praia da cidade alta que fica na Baía de Todos os Santos.
Essa diferença faz com que as praias da capital tenham uma grande diversidade ecológica. Variando desde enseadas calmas , ideais para a prática da natação, esportes à vela, mergulho e pesca submarina, até as de mar aberto e fortes ondas, muito procuradas pelos surfistas. Há ainda as praias cercadas por arrecifes, que formam piscinas naturais de pedra e são ideais para crianças, além de coqueirais, vegetação rasteira e dunas.
Pela localização geográfica privilegiada, as praias banhadas pela Baía de Todos os Santos também tiveram papel fundamental na defesa de Salvador durante o período colonial. Fortes como o de Santo Antônio, mais conhecido como Farol da Barra, Santa Maria, São Diogo e Mont Serrat, localizado na Península de Itapagipe, defendiam a entrada da baía de invasores e piratas que vinham em busca da madeira de pau-brasil.

As praias de Salvador também servem de cenário para as festas populares e demonstrações públicas de fé e sincretismo. Em Itapuã, no mês de janeiro, os pescadores organizam a lavagem da igreja de Nossa Senhora da Conceição de Itapuã. Nesse mesmo mês acontecem ainda a festa da Ribeira e a Procissão do Senhor dos Navegantes, na Boa Viagem, ambas na cidade baixa. Na praia do Rio Vermelho, organizada pela colônia de pescadores da área, acontece a festa de Iemanjá, no dia 2 de fevereiro, considerada a maior manifestação pública do Candomblé em todo país. E na Ponta de Humaitá, Península de Itapagipe, no dia 8 de março, acontece a festa do presente de Iemanjá de Humaitá.

As praias da cidade baixa e do subúrbio ferroviário de Salvador possuem águas calmas e sem ondas. À beira mar, diversas barracas vendem bebidas e comidas típicas e no calçadão é possível tanto fazer cooper e caminhadas, quanto sentar para apreciar a beleza da Baía de Todos os Santos. Entre as praias de maior destaque da Península de Itapagipe estão Ribeira, Cantagalo, Roma, Boa Viagem e a Ponta de Humaitá, de onde se pode ver um belo pôr do sol. No subúrbio, as praias mais famosas são Itacaranha, São Tomé de Paripe e Inema, que também possuem águas tranquilas.
Na orla da cidade alta, tanto é possível encontrar praias com arrecifes e enseadas quanto aquelas de mar aberto e ondas fortes. A orla da cidade alta também é dotada de infra-estrutura para atender aos banhistas com postos do Salvamar, ciclovias, pistas de cooper, sanitários e barracas para venda de comidas típicas e bebidas. Em praias como Amaralina, Rio Vermelho e Itapuã, o destaque fica por conta das baianas de acarajé, que tem nessas praias tradicionais pontos de venda. As outras praias da cidade porém, também possuem baianas que comercializam tanto o acarajé quanto abará, cocadas e bolinhos.

A Ilha de Maré - está localizada na parte central da Baía de Todos os Santos, perto do Porto de Aratu.
Rica em vegetação e paisagens deslumbrantes, a ilha não dispõe de água doce. É formada por pequenos vilarejos, com casas de pescadores nativos e de veranistas à beira-mar. Sentadas à porta das casas, podemos encontrar as rendeiras, confeccionando peças em renda de bilro, um dos artesanatos mais tradicionais da região. Também se podem encontrar, principalmente nos povoados de Santana e Praia Grande, peças artesanais feitas de bambu. O local é bastante primitivo, onde os nativos vivem basicamente do artesanato e da pesca.

Ilha dos Frades - Com apenas 6 km de extensão e situada praticamente no centro da Baía de Todos os Santos, apresenta paisagens lindíssimas, apesar de ser uma das menores ilhas da Baía. Segunda a lenda, a ilha recebeu este nome depois que os índios tupinambás assassinaram dois frades, que foram para a ilha com o objetivo de catequizá-los.
Possui a forma de uma estrela de 15 pontas e apresenta belas praias, coqueirais, montanhas, lagos, cachoeiras e uma vegetação típica da Mata Atlântica, com a existência de árvores nativas, inclusive o pau-brasil.

Farol da Barra - Ao fim da Praia do Porto da Barra, encontra-se a Fortaleza de Santo Antônio, conhecida como Farol da Barra, que foi construída em 1627 a mando do então Governador Francisco Nunes Marinho para a defesa contra os corsários. Um dos monumentos símbolos de Salvador, no seu interior foi instalado no seu interior o Museu Náutico da Bahia, e também funciona um bar/restaurante, de onde se tem uma privilegiada visão panorâmica de Salvador e um dos mais bonitos espetáculos do pôr do sol da cidade .

Praia da Boa Viagem - Localizada na Cidade Baixa, no bairro do mesmo nome e distante 12 km ao sul do centro, oferece uma vista privilegiada da cidade. No passado, esta praia era utilizada para desembarque de mercadorias.

Praia da Gamboa - se situa abaixo da Av. Contorno, no bairro do mesmo nome, e dista cerca de 1,5 km do centro. A palavra Gamboa significa cercado feito de galhos à entrada dos estuários para apanhar peixes.

Praia de Ondina - fica localizada no bairro do mesmo nome, distante 7 Km do centro da cidade. A praia possui três trechos distintos: Praia das Crianças, Praia da Sereia e Praia do Cristo.

Praia da Pituba - Situada em um dos bairros mais populosos de Salvador, distante 10 km do centro.

Praia da Ribeira - Localizada na cidade baixa, banhada pela Baía de Todos os Santos e distante 13 km ao sul do centro da cidade, proporciona uma bela vista de suas ilhas e casarões antigos, um cenário bucólico e cheio da poesia de outrora.

Praia de Itapuã - Localizada no tradicional bairro do mesmo nome, que em Tupi significa, para alguns, “ponta de pedra” e , para outros , “pedra que ronca”, é com certeza a praia mais famosa de Salvador. Tem este nome por lá existir uma pedra que antes de se partir roncava na maré vazante. Era considerada como a praia dos jangadeiros valentes e das areias brancas, admirada pelo mundo inteiro.
Antigamente, existia uma pequena vila de pescadores que exploravam a pesca da baleia para fazerem a refinação do óleo, o qual era utilizado na iluminação pública. A parte mais antiga da praia de Itapuã é a que beira o calçadão, onde se encontra a estátua da Sereia de Itapuã.
Protegida por arrecifes, a tranquilidade de suas águas verdes com ondas fracas e a formação de piscinas naturais, a grande quantidade de coqueiros, cujas folhas dançam caprichosamente agitadas pela fresca brisa marinha, a existência de uma colônia de pescadores locais e suas jangadas, fazem deste local um cenário inspirador e agradável e um local para desfrutar-se de deliciosos banhos de mar.
O folclore em Itapuã é muito rico e dele se tem aproveitado os poetas e músicos. Cantada em verso e prosa por músicos e poetas, imortalizada por Dorival Caymmi e magistralmente cantada por Vinicius de Moraes, é um convite irresistível para se passar uma inesquecível tarde.

Praia de Mont Serrat - Localizada no extremo sul da Península, de onde se pode apreciar um belíssimo pôr do sol emoldurado pelas águas azuis e por algumas das 36 ilhas da Baía de Todos os Santos »

A cidade se deslocava para Itapuã , onde o candomblé homenageava Nossa Senhora da Conceição , sendo sincretizada como Iemanjá , com as baianas, os pescadores e o povo participando da procissão e da lavagem da escadaria da Igreja . Os hotéis da orla da cidade estavam cheios, encontramos como único recurso uma ruim pousada de muitos mosquitos, lotada de estudantes , no início da Avenida Mangabeira, caminho para Itapuã .

À noite, os restaurantes e bares estavam lotados. Em muitos se cantava , dançava , em manifestações envolventes que ilustravam a imagem que eu tinha da Bahia .
« A cultura desenvolvida em Salvador , primeira cidade do Brasil, e no Recôncavo da Bahia, exerceu influência decisiva em outras regiões do País e na própria imagem que se tem do Brasil no exterior. Desde o século XVII observa-se no Estado uma dualidade religiosa: de um lado, a religião católica (de origem européia); do outro, o candomblé (de origem africana).
Já no Século passado firmou-se o gosto do baiano - tanto o de origem abastada quanto o pobre - pelo epigrama (tipo de poesia satírica); pelas modinhas (poesia lírica musicada); e, também, pelos sermões religiosos, praticados desde Frei Vicente do Salvador e tendo seu ápice em Vieira.
A chegada dos africanos vindos do Golfo de Benin e do Sudão, no Século XVIII, foi decisiva para desenvolver a cultura da Bahia como um todo. Segundo Nina Rodrigues, isso é o que diferencia a cultura baiana da cultura encontrada nos outros Estados brasileiros. Nesses, os africanos que vieram eram, predominantemente, os negros bantos de Angola.
Os negros iorubanos e nagôs estabeleceram uma rica cultura nas terras da Baía de Todos os Santos. Pois que tinham religião própria, o candomblé; música , a chula, o lundu; dança própria, praticada no samba de roda; culinária própria, que deu origem à culinária baiana, inventando diversos pratos com base no azeite-de-dendê e leite de coco (tudo com muita farinha-de-guerra dos índios tupinambás e tapuias), e sobremesas, desenvolvendo o que veio de Portugal; luta própria, a capoeira, e o maculelê; vestimenta própria, aliando as já tradicionais indumentárias africanas às fazendas (tecidos) portugueses; e uma mistura de línguas, mesclando iorubá com português.
No Século XIX, os visitantes começaram a cultuar a imagem da Bahia como de uma terra alegre, bonita, rica (por causa da cana-de-açúcar e das pedras preciosas das Lavras) e culta, que dava ao Brasil grandes intelectuais e Ministros do Gabinete Imperial.
Na década de 1870, as baianas começaram a migrar para o Sudeste do País em busca de emprego. E, assim, essas "tias" baianas foram disseminando a cultura da Bahia , oferecendo acarajés em seus tabuleiros e gamelas, dando festas onde se dançava samba de roda (que, mais tarde, modificado pelos cariocas, iria resultar no samba como se tornou conhecido), desfilando suas batas e panos-da-costa pelas ruas da Capital Federal. Por isso, naquela época, chamava-se de baiana toda a negra bonita, segundo afirma Afrânio Peixoto, no "Livro de Horas".
A partir da década de 30, primeiro pelos romances de Jorge Amado e depois pelas músicas de Dorival Caymmi, ficou estabelecida ante o Brasil a imagem que se tem hoje da Bahia »

E na Usina , em Simões Filho, município praticamente ligado a Salvador, iria ter o prazer de encontrar o meu professor de Metalurgia na Universidade, depois Diretor Fabril do Seixal , aquele que mandou demitir os bobões que se agregaram à greve , e que tinha sido o primeiro a ser rejeitado pelos operários a seguir à Revolução dos Cravos ! Era ele o Diretor da Usina, estatal , ali na Bahia !

O Projeto tinha como objetivo a melhoria das condições operacionais da Aciaria, compreendendo Forno Elétrico com sistema de carregamento de ferro esponja e Máquina de Lingotamento Contínuo para tarugos. Esses estudos me levariam à Bahia muitas vezes, me possibilitando desfrutar ao longo delas tanto da feira da Festa do Senhor do Bonfim , em passeio noturno pelas barracas de comidas típicas e bebidas que se estendiam pela colina da Igreja, como da visão do louco movimento das ruas na 6ª Feira véspera de Carnaval , fugindo assustado para o Rio de Janeiro , ou da dificuldade da subida das ruas que levavam da cidade baixa até ao Pelourinho , também da grande diversidade de artesanato no Mercado Modelo, ou da subida pelo Elevador Lacerda, misturado às filas de gentes que passam da Praça Cayru à Praça Tomé de Sousa , 72 metros acima.

Para aquele sistema de carregamento de ferro esponja , de razoável complexidade ( projeto e especificações para compra de correias transportadoras elevadoras por quase 200 metros entre os silos da instalação de produção de ferro esponja e um ponto elevado acima do Forno, de silo , de sistema de descarga e pesagem contínuas para o Forno , de sistemas de controle para todo o conjunto ) a Cobrapi resolveu admitir um Engenheiro Mecânico ; entrevistas, seleção , é admitido um engenheiro com alguns anos de experiência . O Projeto tem prazos, explico-lhe as questões operacionais, deixo que ele desenvolva . Regresso de Salvador, quinze dias depois, quero saber do andamento ; não tinha avançado nada . Mais quinze dias, o Projeto não foi iniciado ! O prazo é agora muito curto, resolvo assumir eu mesmo , demitir aquele aprendiz ! Procuro conhecer a diversidade de equipamentos envolvidos , estabeleço critérios operacionais básicos, chamo os fornecedores especializados, converso com cada um sobre características e dimensionamento daquilo que oferecem , o que aprendo com um me ajuda para a discussão com o seguinte . Ao final das entrevistas estou pronto para desenvolver os desenhos e as especificações para compra, termino no prazo, posso entregar ao Cliente, àquele meu ex-professor .

O Carnaval desse ano coincidiria com o aniversário da Tininha e sob as expectativas quanto às consequências da Revolução no Irã sobre a economia mundial - deposição do Xá Reza Pahlevi e retorno ao país do aiatolá Khomeini , exilado em Paris, num movimento de extraordinário apoio popular que levou à implantação de uma República Islâmica - uma vez se tratar do 2º maior produtor mundial de petróleo, agora com a sua produção mal cobrindo o próprio consumo . Os preços do petróleo estavam em forte subida , já tinham sido aumentados em 1973 – 74 , as taxas internacionais dos empréstimos financeiros explodiam .

Neste panorama, chegava ao fim o Governo Geisel. Em 15 de março era eleito para Presidente o General João Figueiredo, com propostas de abertura democrática. Durante a gestão do Presidente Geisel tinha-se verificado desaceleração econômica, com aumento das taxas de inflação ( 40,5 % em 1978 ) e aprofundamento da divida externa : com o aumento dos preços do petróleo e havendo abundante liquidez no mercado financeiro internacional, havia sido escolhida a opção de manter o alto crescimento econômico , financiando as importações de petróleo com a captação de recursos externos ( a alternativa por ajuste recessivo - como operada em toda a Europa - tinha sido descartada porque seria negativa à imagem do governo militar , precisando de crescimento econômico como forma de legitimação popular ) . O crescimento econômico foi direcionada às indústrias de base , que efetivamente cresceram 35 % desde 1974 , mas provocando a estatização da economia e um forte crescimento da divida externa , agora quase toda da área pública até pela transferência de grande parte da divida em dólares das empresas privadas para o Banco Central . A divida externa crescera assim de 17,2 bilhões de dólares em 1974 para 43,5 em 1978 , por enquanto suportada pelos baixos juros do mercado internacional, mas que agora subiam, e muito, pelo novo aumento dos preços do petróleo. Com a agravante do País consumir 1,1 milhão de barris de petróleo / dia , em virtude do aquecimento econômico, e só produzir 166 mil , e para mais em declínio pelo esgotamento dos poços da Bahia ( a meta de 500 mil barris estabelecida para 1985 era apenas um sonho ! ) .

E eu ganho um prémio , uma viagem ao Japão ! A assessoria da Nippon Steel tinha levado a uma visão mais aprofundada do projeto ( para aquisição e instalação de uma máquina de lingotamento contínuo de placas , que seria paralela a duas que já operavam ) , inclusive ao contacto com fornecedores, entre eles a Okura, um dos principais fornecedores japoneses. E este oferece uma viagem ao Japão para visita a máquinas que tem instaladas, a CSN aceita, vão um Diretor e dois engenheiros da CSN, da Cobrapi vou eu e outro engenheiro .

A viagem é muito longa, do Rio a Lima , no Peru , depois Los Angeles nos EUA , para o Alasca em Ancorage, finalmente Tóquio , 28 horas depois, em Boeing 707 da Varig .

« Capital do Japão, Tóquio ocupa cerca de 340 km2 e está localizada na costa sudeste da ilha de Honshu, nas margens norte e noroeste da baía de Tóquio. É uma das cidades mais populosas de todo o Mundo, albergando cerca de oito milhões de habitantes.

A sua origem remonta ao século XII e resumia-se a uma pequena residência familiar de dáimios com o nome de Yedo. Em meados do século XV, Ota Dokwan ocupou Yedo e aí mandou erguer um castelo. Já nos finais do século XV, Yedo começou a desenvolver-se, sobretudo a partir do momento em que o dáimio Ieyassu recebeu o feudo das oito províncias da região. Um pouco mais tarde, Ieyassu apoderou-se de todo o país e fundou a dinastia Togugawa, que governou o Japão ao longo de um quarto de século. A região tornou-se próspera nesse período. Com o jovem imperador Meiji, a capital foi transferida de Quioto para Yedo, em 1868, e passou a designar-se Tóquio. O velho Palácio Tokugawa, construído pelos membros de Ieyassu, sofreu um incêndio em 1873 sendo construído em seu lugar um mais moderno, rodeado por muros com muitos quilómetros de extensão. Posteriormente a cidade sofreu vários incêndios e foi fortemente abalada pelo sismo de 1 de Setembro de 1923. Em consequência do forte terramoto, dois terços da cidade foram destruídos e, em 1945, com a Segunda Guerra Mundial, os bombardeamentos americanos destruíram mais de metade da sua superfície. No dia 2 de Setembro desse ano, o Japão rendeu-se e Tóquio foi ocupada, tendo iniciado de forma intensiva as obras de reconstrução.
O núcleo de Tóquio corresponde à antiga Yedo onde se encontra o Palácio Imperial rodeado de jardins. Outros monumentos a destacar correspondem aos edifícios do governo como a Assembleia Nacional, o Tribunal Supremo e os Ministérios, todos localizados a oeste no distrito de Kasumigaseki; um pouco mais a sul eleva-se a Torre de Tóquio; a oeste da capital e rodeado de jardins situa-se o Santuário de Meiji, construído em memória do imperador Meiji.

Na parte antiga da cidade predominam ruas estreitas e sinuosas que determinam atualmente uma circulação condicionada. Nesta área da cidade o acesso é apenas possível aos peões e autocarros, razão pela qual a cidade possui mais de uma centena de quilómetros de estradas subterrâneas.
A leste do Palácio Imperial situa-se o centro financeiro do país, onde se albergam as sedes das companhias financeiras mais importantes do Japão.
O distrito comercial localiza-se a leste de Marunouchi, entre o distrito de Nihonbashi e o de Ginza. Repleto de grandes armazéns, podem encontrar-se lojas especializadas, locais de diversão e um grande número de restaurantes.
Para oeste, numa área mais montanhosa, situa-se o Yamanote onde se localizam as residências de luxo, centros universitários, hospitais e outras instituições.
Onde terminam os distritos periféricos, em plena área montanhosa, está o Parque Nacional de Chichibu-Tama, de onde se pode contemplar uma espetacular paisagem.
Os museus são variados mas são de destacar o Museu Nacional, situado no parque de Ueno; o Museu de Arte Metropolitano e Zoológico Municipal; o Museu de Arte Moderna, situado perto do Palácio Imperial, e o Museu Nezu em Aoyana ».

A área de indústria moderna localiza-se ao longo do litoral da baía, entre Tóquio e Yokohama, sendo responsável por um quinto do total da produção do país. Predominam indústrias pesadas e ligeiras de produtos metálicos, tecidos, alimentar, máquinas, química e instrumentos ópticos e grande variedade de indústrias de bens de consumo.
O seu porto movimenta sobretudo mercadorias domésticas, correspondendo apenas a cerca de 8% do tráfico total do país. Possui uma densa rede ferroviária e rodoviária que une a capital aos pontos mais importantes do país. As principais centrais são as de Ueno, Ikebukuro, Shinjuku e Shibuya. Possui também linhas de alta velocidade para o expresso Shinkansen, que liga Tóquio e Fukuoka, percorrendo cerca de 1070 km/h.
O aeroporto de Haneda, localizado a sul da cidade, é dedicado a voos domésticos e o de Narita, a 55 km de Tóquio, é um aeroporto internacional »

O cansaço é grande na chegada , mas Tóquio é um choque que desperta , renova energias , tudo obriga a observar aquela enorme cidade , que se compara a São Paulo na forma frenética de vida, mas a supera em beleza e , acima de tudo, em elegância. O táxi que nos leva para o hotel acabou de ser lavado, polido e encerado, o banco tem uma cobertura de tecido branco alvejante, o motorista em uniforme branco, gravata preta, luvas brancas, conduz com visível orgulho da sua perícia pelas ruas congestionadas , não tem uma freada brusca , um tranco da mudança ! Hora e meia depois estamos no hotel , é o Okura, cinco estrelas, estamos sendo convidados para um deslumbramento de bom gosto e originalidade ! Pelo nosso horário é de manhã , ali hora de jantar. O Hotel ocupa um extenso edifício de cinco andares , com alas interligadas por um túnel , lojas elegantes dos dois lados dele - joalharias, modas, salões de beleza - , dispõe de vários espaços de convívio nos seus andares e , espalhados por eles , salas de chá e restaurantes , que oferecem cozinha francesa , japonesa , chinesa ! Também americana , em salão de decoração de motivos texanos , atrativo para as crianças e para os clientes mais econômicos ! Estamos sendo convidados , nos indicam um dos salões , o Orchid Room , 5º andar . Centenas de orquídeas formam um arranjo sobre grande mesa circular , ao centro, construindo um maravilhoso cone que atinge o teto do salão . Ao lado , um piano de grande cauda tem uma elegante moça criando música de fundo ; as mesas são de talhe antigo, recobertas por grossa toalha de linho branco , talheres de prata pesada ! Os garçons parecem fazer parte daquele cenário, um local de beleza e de bom atendimento para não ser esquecido .

O Hotel ficava próximo da Embaixada Americana, do Shiba Park , da Tokyo Tower , a torre mais alta do Japão com 333 metros de altura e considerada um dos símbolos do Japão ; a torre dispõe de dois terraços, um a 150 metros de altitude e outro a 250 metros. Em ambos é possível admirar a paisagem da cidade , numa visão de 360 graus .

A Okura tinha envidado todos os esforços para que a nossa visita fosse perfeita ! Para as noites após as longas reuniões durante o dia com engenheiros das Usinas – estes sempre em dois grupos, um de engenheiros novos que eram os expositores, outro de engenheiros idosos que se limitavam a autorizar os primeiros para as respostas às nossas perguntas e que tinham destes uma sempre respeitosa deferência ! – a Okura havia montado um programa de eventos para nossa distração : cocktail de recepção, ida a um restaurante de geishas, ida a um restaurante de peixinhos fritos, ida a um clube privado com atrações das boates de Paris !

Aquele restaurante de geishas não passava de um jantar com todos sentados no chão e servidos por algumas senhoras, todas de idade acima da razoável, que se preocupavam em nos encher a taça de vinho , colocar a comida no prato , acender o cigarro , tudo sempre sorrindo em japonês !

« A palavra geisha significa artista ; as primeiras geishas surgiram no final do período 'Edo' (século XVII) . As geishas são mulheres educadas para entreter de diversas maneiras a um homem: sabem dança japonesa, tocam algum instrumento musical, cantam e atuam, além de terem etiqueta e serem extremamente femininas .
As mulheres geishas também possuem uma forte ligação com o teatro 'kabuki'; essa ligação remete à origem de ambos no período do feudalismo 'Edo'. Por essa razão , existem inúmeros festivais teatrais pelo Japão realizados todos os anos, nos quais as geishas dançam, cantam e atuam entre si. A rotina de uma geisha é marcada pela sua atividade em algumas casas de chá, nesses estabelecimentos com seus espetáculos e mimos elas entretêm os fregueses. Sendo totalmente artístico o seu papel, as geishas são da mais alta estima na sociedade nipônica.
Diferentes motivos levam uma jovem a escolher o caminho de geisha, mas entre esses motivos a inclinação para o mundo das artes tem um forte apelo.
Elas sempre tiveram um alto conceito social ; no século XIX, as geishas eram consideradas musas sagradas, mulheres leais, de boa reputação e enorme generosidade . Em seu relacionamento mútuo, as geishas tratam-se entre si com grau de parentesco, que designa a sua hierarquia. Mas não se trata de uma relação apenas profissional, é uma tradição, na qual as mães, denominadas 'Osakaw' são as mulheres responsáveis pelas 'casas de chá'.
As geishas que trabalham nesses recintos, são consideradas filhas de 'Osakaw', e vivem como irmãs mais velhas e mais novas entre elas. O termo irmã mais nova, na sociedade geisha , significa que a jovem é uma iniciante, e tem irmãs mais velhas, que já estão há mais tempo como geishas e como tal sendo mais experientes; essas irmãs mais velhas cuidam do aprendizado e deveres das mais novas.
O ritual que celebra a união entre uma irmã mais nova e outra mais velha, na sociedade geisha, é o mesmo ritual das cerimônias de casamento, o 'Sansan-kudo', que tem por finalidade ligar as pessoas entre si.
Desde as décadas de 20 e 30, com a forte influência do Ocidente sobre a cultura japonesa, as geishas têm tentado adaptar-se a esse novo estilo. Mas, isso não foi aceito de bom grado pelos homens japoneses, que consideram essa mudança como uma perda de fascínio e tradição por parte das geishas.
Atualmente as geishas vêm diminuindo pouco a pouco na sociedade japonesa, os costumes da vida contemporânea e a atual posição da mulher na sociedade moderna contribuíram muito para isso. E no Japão existe um ditado que diz: "A cultura tradicional desaparece, à medida que as geishas somem"

Aquele restaurante de peixinhos fritos me deixaria primeiro em enorme ansiedade , e depois com alguma frustração por não ter aproveitado aquela experiência com todo o prazer que ela merecia ! Quando nos disseram que naquela noite iríamos a um restaurante de peixe , pensei « não vou comer , não como peixe cru ! » Com esse receio cheguei à porta, tirei os sapatos , entrei num grande salão tendo no centro um balcão circular, na sua área interior todos os apetrechos de uma boa cozinha, dois cozinheiros. Descalço e esperando ver na minha frente peixe cru, eu me sentia infeliz ! Sentados àquele balcão , o salão só para nós, começamos a receber tacinhas de bonita porcelana com molhos variados , o cozinheiro na nossa frente preparando peixinhos , depois os fritando em misturas especiais , em seguida os colocando no nosso prato . Os peixinhos pareciam de aquário, pequenos, coloridos, que nós víamos preparar bem ali na frente . Os molhos tinham sabores diferentes, doces , agridoces, alguns estranhos. Terminada uma espécie de peixinho , os cozinheiros começavam outra, cada uma com um ritual , quase uma cerimônia que nos era oferecida. E assim foram sendo preparadas vinte e uma qualidades diferentes de peixinhos , eu já perdendo o medo que algum viesse cru, começando a gostar da cerimônia e dos sabores. Que pena quando terminou ! Mas aquela refeição seria ótima para quem fizesse regime !

A ida ao clube privado nos faria conhecer a Tóquio noturna , no passeio pela cidade em limousine de estrela de cinema , motorista de farda impecável . A cidade não mostrava movimento compatível com a agitação que víamos durante o dia, mais parecia pacata cidade comum européia, de bastante iluminação publicitária mas sem que as pessoas mostrassem a vibração de Roma ou de Paris, as casas noturnas tinham portas fechadas, quase se escondendo, víamos alguns bares com gente entrando ou saindo mas de forma quase medrosa , portas se fechando logo em seguida . Quase nenhum comércio, o abastecimento de bebidas e cigarros acontecia por máquinas automáticas instaladas por todas as esquinas. No clube onde íamos, não era diferente o movimento da rua . O clube tinha porteiro, elegante e cerimonioso, escadaria de acesso , mas o ambiente era frio, não era o Rio de Janeiro ! Dentro, também não o era ! Mesas , mais para jantar , quase familiar, um palco ao fundo, show fraco para assistir, uma área de dança . Regressamos cedo ao Okura , o dia seguinte iríamos pegar o trem bala.

« O Japão é um país que viveu longos períodos de isolamento. Houve por volta do século VI e VII uma influência muito forte da China, novo período de alguns séculos de isolamento e praticamente o Japão voltou a se abrir para o mundo em 1868, durante a revolução Meiji. A partir desta época começa o processo mais rápido de industrialização e desenvolvimento.
A economia japonesa é capitalista e extremamente bem sucedida. Na década de 60 o crescimento médio do Japão foi da ordem de 10% ao ano. A crise do petróleo trouxe no ano de 75 um crescimento negativo no Japão, mas já a partir de 76 esse crescimento passou a ser da ordem de 6% ao ano.
O Japão é um país altamente de importação (praticamente todo petróleo, minério de ferro, bauxita, carvão, produtos agrícolas são importados) e uma grande parte do volume de negócios depende de exportação.

O processo educacional japonês é bastante antigo. No final do século XIX, apenas 10% da população tinha educação básica. Dez anos depois, em 1903 o Japão já tinha de 90 a 100% da sua população com ensino básico. O sistema educacional prevê 9 anos de ensino compulsório, com 100% de atendimento. Três anos adicionais, equivalente ao nosso 2º grau, tem uma porcentagem de atendimento de 94%.
A característica mais importante da organização japonesa é o emprego para a vida toda. É um pacto entre a empresa e o empregado: "qualquer coisa que aconteça eu não te despeço". Basicamente esta é a filosofia do emprego vitalício. Se perguntarmos ao profissional brasileiro: "o que você faz ?" certamente a resposta será: "eu sou engenheiro ... eu sou vendedor ... eu sou recepcionista ... etc. Se fizermos a mesma pergunta a um japonês, provavelmente ouviremos: "sou funcionário da Hitachi ... da Sony ... etc. Por esta resposta existe uma diferença básica de lealdade, que no ocidental tende a ser centrada em uma profissão, isto é, ele procura um conjunto de empresas em que ele possa realizar a sua profissão, a sua especialidade. No Japão a lealdade existe centrada em uma empresa, e é dentro desta empresa que ele vai exercer um conjunto de cargos, das mais variadas naturezas
O Estado japonês propõe e impulsiona o modelo industrial. Desde 1950 o crescimento econômico é objetivo prioritário e se fundamenta nos padrões da produtividade, na qualidade dos produtos e na busca de mercados. Desde 1955 vigora o pacto dos empresários com os trabalhadores apoiado nos seguintes princípios do Centro de Produtividade do Japão:
• o desenvolvimento de produtividade deve ser elaborado por empresários e trabalhadores;
• o desemprego deve ser evitado e mão-de-obra excedente será realocada;
• o resultado será distribuído equitativamente entre empregadores, trabalhadores e consumidores.
Produtividade e confiança estão interligadas. As técnicas administrativas enfatizam a confiança nas pessoas, indispensável para que trabalhem juntas, eficazmente. Não pode haver coordenação e cooperação sem confiança. O comportamento humano é complexo e imprevisível, não podendo ser norteado por mecanismos burocráticos inflexíveis, rigidamente impostos. O clima compreensivo e apoiador é indispensável no relacionamento cotidiano . Para as empresas japonesas, a administração se fundamenta no modelo participativo, favorecendo a criatividade, a motivação, a rapidez de mudança, etc. Os executivos e trabalhadores trocam de cargos, favorecendo o crescimento, a continuidade em épocas de crise, a disponibilidade de trabalhadores treinados. O novo empregado é tratado como membro novo da família, e a cobertura familiar é estendida à família do novo membro. O processo conclui com a participação do diretor da empresa dos empregados e seus pais, num ritual em que a lealdade do trabalhador e a garantia do emprego pela organização se consolidam efetivamente. "Nós temos a disciplina ! Essa é a nossa grande arma". A estrutura flexível e o clima de confiança não anulam o exercício da disciplina que caracteriza todas as dimensões da vida japonesa. "Em nossas empresas não temos os empurrões de fim de expediente, nem o corre-corre infindável das tardes de sexta-feira". Planejamento, produção, vendas e suprimentos operam em ritmo cadenciado, como orquestra sem maestro »
A relação trabalhador – empresa estava tão fortemente vinculada no Japão , que para as famílias se tornava desonroso o regresso do seu chefe pouco depois do horário normal de trabalho , o não ficar na empresa para realizar horas extra era visto como sinal de desprestígio para o trabalhador e para sua família ! Assim , alguns trabalhadores se escondiam nos bares, portas fechadas , fazendo horas para entrar em casa !E as horas extra não eram pagas ! É natural que a vida noturna fosse incipiente, não tinha clientes !

O trem bala – Shinkansen – nos levaria para Fukuyama, ao Sul, depois de Osaka. Pontualmente no horário, no exato minuto que é indicado no livreto, o trem entra na estação e vem parar uma das suas portas na área marcada no cais com o sinal para entrada ! Depois, a mais de 200 Km /hora, nós vemos passar as casas , as plantações de arroz, o Monte Fugi com o seu topo coberto de neve, a paisagem demonstrando um cuidadoso arranjo dos campos e das casas , uma visão bucólica de um povo que trabalha como que dedicado a uma devoção , que os realiza e orgulha. Esse orgulho também se sente ali nos japoneses que nos acompanham, eles percebem a nossa admiração.
Em Fukuyama iríamos visitar a maior usina siderúrgica do Mundo , produzindo 5 milhões de toneladas /ano, projetada para chegar a 12 ! Do grupo Nippon Kokan – NKK – apresenta um lay-out singularmente eficiente – construída em uma ilha, parte dela artificial, ligada ao continente por túnel, tem num dos lados do seu quadrilátero o porto de mar para descarga das matérias primas que vão abastecer os Alto-Fornos e toda a Usina ; no lado em frente, paralelo, dispõe-se o porto de mar que carrega os produtos acabados para o Japão e para o Mundo.
O seu interior é imenso, um ônibus nos leva pelas estradas que têm sinalização como avenidas e ruas normais de grande cidade . Extensas áreas verdes estão situadas ao lado dos enormes galpões industriais , nelas se vêem lagos, fontes de água , até grandes carpas são ali criadas !
Para visita à Usina nos entregam uma bata branca, capacete, óculos de proteção, luvas brancas. E fazem questão que coloquemos as luvas !
A Usina é tecnologicamente a mais avançada do Mundo, com soluções surpreendentes. Mas duas coisas nos prendem totalmente a atenção naquela visita ao longo da sequência dos processos operacionais - a total limpeza , até mesmo na área da Coqueria , tradicionalmente recoberta de pó de carvão em todo o Mundo ! , e a disciplina de trabalho dos funcionários, que só podia comparar com a minha EKA e nunca com uma Usina como a do Seixal, ou da CSN , ou outra qualquer que conhecera. Não havia formação de grupos de trabalho, não se vislumbrava alguma operação gerando tensão , não se via funcionários correndo, talvez tivessem sido avisados da nossa presença ali naquele dia e instante ....! A grande maioria tinha auscultadores e microfone, agia calmamente , sem paradas mas sem pressas .
Até os pátios de sucata apresentavam inovações – para melhor aproveitamento dos espaços eles eram enterrados, como grandes piscinas, assim duplicando a altura de estocagem ; e ao seu lado, quase que encostando nas sucatas, os japoneses deixavam os seus carros estacionados , confiantes nas tecnologias que operavam !
Ao chegar aos Escritórios, nos pedem para observar as luvas - estão limpas, eu teria acabado de dar a volta à fábrica da EKA, não a uma usina siderúrgica ! Os sistemas de captação e tratamento de poeiras davam àquela fábrica a possibilidade de estar integrada à cidade, sem prejuízo algum para as condições ambientais.
Ainda teria outra surpresa ! Os nossos pertences , pastas, bolsas, paletós, tinham ficado numa sala , no 1º andar dos Escritórios, que uma funcionária solícita tinha fechado à chave , certamente precaução desnecessária . Quando regressamos após a visita à Usina , iniciamos a subida das escadas para aquela sala , a funcionária talvez não nos esperasse tão cedo, corre para ir abrir a porta , passa pelo Diretor que nos acompanhou, se detém ao chegar nele , faz um cumprimento com as mãos postas na frente do peito, cabeça baixa , murmura qualquer coisa , e prossegue a subida para chegar à sala ! Aquele sinal de respeito ultrapassava a nossa compreensão habituada aos conceitos ocidentais , ali ele não significava servilismo, era apenas educação, uma relação de trabalho. Ato semelhante eu tinha assistido na EKA , durante aqueles tempos de dúvida após o 25 de abril, um africano jovem o tinha feito quando eu entrei na Enfermaria, que achava estivesse vazia, naquelas visitas diárias que fazia a toda a Fábrica, ele mexia em alguns papéis, talvez querendo saber de alguma coisa , ou só arrumando , com o gesto me pedia desculpas !
Voltávamos a Tóquio, agora para o Hotel Gimmond, relativamente próximo à Central Station , que nos servia de referência nos passeios de fim de tarde sem o auxílio de algum japonês como guia . Aquela Estação é um complexo de subterrâneos que levam para incontáveis linhas de metrô , a vários níveis da superfície, para trens, ónibus, para o Trem bala ; os extensos túneis contam com lojas de todo o tipo de comércio, bares, restaurantes, onde se perder é o mais certo, com raras informações em inglês . Em Tóquio as ruas não têm nome , são conhecidas pelo nome do edifício mais importante nelas localizado, as placas em japonês não ajudam na orientação ! Sair do hotel sem guia é uma aventura e um sucessivo mundo de surpresas , pela qualidade das lojas e pelo movimento intenso de gentes que ocupam todos os espaços . E até pelo brusco encontro com a visão de uma japonesa, às vezes em pequeno grupo, que parece uma boneca se deslocando na calçada, quase levitando , roupas tradicionais, quimono de seda , maquiagem que lhe deixa o rosto como porcelana , olhar estático, postura imponente ! Assim descobrimos Ginza, um deslumbrante shopping a céu aberto, várias avenidas e ruas ocupadas por lojas de departamentos ( Wako com o seu relógio símbolo da Ginza , Mitsukoshi , Matsuya , e outros ) , lojas de moda , butiques, restaurantes , casa de chá, cafés, galerias de arte , o edifício da Sonny e seus showrooms, constituindo uma área de comércio luxuosa , o metro quadrado mais caro do Japão !
Ultimo dia em Tóquio , livre para compras, temos a ajuda de guia, vamos de metrô até Akiabara . Para mim , uma visão do Paraíso ! – são dezenas de ruas ocupadas por lojas de todo o tipo de eletrônicos , algumas em vários andares , caixas enormes repletas de componentes, discos de todo o Mundo, aparelhagem de som , de fotografia e filmagem , de televisão, últimos lançamentos que levarão alguns anos a serem conhecidos no Brasil ! Procuramos um restaurante para almoçar , descobrimos que todos eles mostram cardápio « vivo » , exposto em vitrine ou armário na entrada - são pratos com os alimentos em plástico, formatos e cores como eles serão apresentados na mesa . Os nomes não são reconhecíveis , mas pelo mostruário a escolha é muito fácil , os apontando com o dedo para uma moça que balança continuamente a cabeça e repete hai, hai , hai !
O problema tem sido tentar comer com aqueles instrumentos de madeira que os japoneses chamam de Hashi !

« Não se deve deixar o Hashi enfiado na comida, especialmente no arroz. Quando não estiver utilizando o Hashi, coloque-o sobre a mesa em sua frente ou sobre a vasilha com a ponta voltada para o lado esquerdo Não passe alimentos do seu Hashi para o Hashi de outra pessoa. Não espete os alimentos com o Hashi .
Nunca aponte algo ou alguém com o Hashi e não o movimente demais no ar.
Se desejar cortar um alimento em dois pedaços com o Hashi , faça isso passo a passo, controlando os movimentos e a força.
Não lamba o Hashi »

E também sobreviver sem mais cartões de visita , em qualquer reunião vêm inúmeros japoneses , cartão de visita estendido, a maior parte para depois ficar ali, calada !

« Os japoneses, em geral, são pessoas muito afáveis, simpáticas, atentas e que se preocupam com o estrangeiro. Receberá, sem dúvida, em todo momento, um tratamento cordial e especial. Não esqueça de ir provido de uma boa quantidade de cartões de visita , que terá que ir deixando a cada momento. Para eles é sinal de confiança e um gesto muito apreciado. Por outro lado, a reverência é a principal saudação do povo japonês. Lhe aconselhamos que faça tão somente uma leve inclinação, já que esta saudação tem normas muito complicadas. Procure levar umas boas meias já que terá que descalçar-se continuamente para visitar alguns museus, restaurantes, templos e quando entrar numa superfície atapetada com tatamis.
Os japoneses têm o costume de tirar os sapatos logo que entram em casa e nas casas alheias. A idéia básica é proteger o interior da casa de contaminação trazida de fora. Os sapatos são permitidos apenas nas entradas das casas, numa área chamada Genkan . O Genkan localiza-se sempre um degrau abaixo da entrada principal da casa. Após tirar os sapatos e subir esse degrau, é costume virar os sapatos, deixando as pontas voltadas para o lado oposto do degrau ou seja, voltados para a saída. Normalmente, os anfitriões providenciam chinelos, conhecidos como Surippa para serem usados nas áreas sem tatami. Nas áreas de tatami, devemos ficar descalços. Cuidado: existem chinelos especiais para serem usados apenas nos banheiros. Portanto, não se deve confundir usando-os nos outros cômodos da casa »

O regresso ao Brasil seria mais fácil , a viagem duas ou três horas a menos, o avião com lugares vazios permitindo deitar , quase sofá !

O Projeto para Manaus tinha sido aprovado pelo Cliente , mas não sem uma ressalva , que teve de ser corrigida : o cais de descarga das barcaças que chegavam a Manaus com o minério de ferro tinha sido projetado como um cais normal , fixo, esquecendo que o Rio Negro durante as chuvas tem uma enorme subida de nível ! Eu tinha cometido o mesmo erro que os holandeses com aquele poço no Rio Kuanza !
O Projeto na Bahia tomava agora um rumo mais prático, de assistência à operação, quer no Forno Elétrico quer na Máquina de Lingotamento , me levando a sucessivas viagens . E as observações nos locais , ao longo de algumas horas de operação, me levavam a chamar o meu ex - professor para verificar as disparidades que eram cometidas naquelas instalações ! A falta de treinamento do pessoal era enorme , mas certamente também o pouco cuidado , a desatenção e o desinteresse ! O Forno para vazar a carga liquida tem um sistema de basculamento , duas engrenagens de rodas dentadas , uma de cada lado do Forno, que o movimentam com inclinação para a frente , para vazar, e o repõem para trás no término do vazamento. As engrenagens são enormes , resistentes, mantendo o forno centralizado . Só que ali todo o conjunto tinha rodado lateralmente e se desviado para a frente, alguns centímetros , com risco do Forno despencar ! O que ninguém via , ou se interessava ! As paredes do Forno são em grossa chapa metálica , revestidas interiormente por refratários especiais, para contenção do aço liquido; esses refratários se gastam com a sequência das operações, exigindo troca periódica para que o aço não atinja as paredes metálicas . Aquele Forno tinha as paredes metálicas quase como peneira , recobertas por chapas mal soldadas, de tantos vazamentos de aço que teriam ocorrido , pondo em perigo a instalação e os operários ! Pior, aqueles vazamentos tinham atingido as colunas de sustentação do Forno , onde estavam as engrenagem de basculamento , e até derretido algumas ferragens do concreto ! A Máquina de Lingotamento Contínuo não se apresentava em melhor condição ! Os vazamentos de aço liquido eram constantes, com restos de aço solidificado por todo o lado, não removido , caixas de engrenagens nunca tinham tido troca de lubrificação ! Claro que os índices operacionais da Aciaria demonstravam essas anomalias , a produção poderia ser muito superior , os resultados financeiros da Empresa ( estatal ) também . O meu Relatório final seria bastante incisivo, antes da introdução de melhorias tecnológicas naquelas instalações , visando aumento dos volumes de produção, o pessoal teria que ser treinado adequadamente . O meu ex - professor não terá ficado muito contente !

Na Politica e na Economia, o País sofria mudanças . Com os aumentos do preço do petróleo e dos juros do dinheiro nos mercados internacionais, acontecia o fim do milagre econômico . A taxa de crescimento do PIB vinha caindo , com o aparecimento do desemprego e a queda do poder aquisitivo dos salários , comprometidos pela inflação. A recessão econômica já aprofundava a insatisfação popular com o sistema político, mesmo tendo o Presidente Figueiredo dado início a mudanças – « Juro que farei deste País uma democracia".
Em agosto , era assinada a Lei da Anistia, suspendendo as penalidades impostas aos opositores do regime militar. Assim, eram libertados os últimos presos políticos e os exilados podiam voltar ao Brasil. Ampla e irrestrita, a Lei da Anistia garantia, por outro lado, o esquecimento dos crimes cometidos contra as oposições nos anos anteriores.
O projeto de abertura política do Governo era no entanto considerado muito lento pelos movimentos sociais que lutavam pela redemocratização. Por outro lado, era temido pelas forças conservadoras, que se identificavam com o Governo e estavam comprometidas com a continuidade do regime militar.

O futuro para as empresas de projeto na área siderúrgica não aparentava ser dos melhores ! A Cobrapi, por estatal e trabalhando só para usinas estatais , estaria muito mais sujeita às consequências da recessão do que qualquer outra. O CF pouco depois de ter ido para Sorocaba , havia-me convidado para ir trabalhar com ele, mas eu estava então envolvido com o Projeto para Vitória, o início do Projeto para a Bahia , não aceitei .

Uma tarde , na Cobrapi, me telefona um desconhecido , se diz Diretor da Anglo American Brasil Ltda , lhe haviam dado referências minhas, queria falar comigo. Nos encontramos no Clube Americano , na Avenida Rio Branco. Ele é português, um pouco afetado, importante ; subsidiária de um grande grupo internacional na área de mineração e recursos naturais, com sede em Londres e principais interesses na África do Sul, a empresa dele está em negociações com o Banco Bozano, Simonsen , para aquisição de um grupo brasileiro – HIME - que detém uma siderúrgica muito antiga em São Gonçalo, à margem da Baía de Guanabara de frente para o Rio de Janeiro . O interesse dele é na verdade a participação em importantes reservas minerais - ouro - que fazem parte daquele grupo, mas para dimensionar o negócio quer saber o valor de um empreendimento siderúrgico que viabilizaria o complexo já existente , precisava ter em mãos propostas para fornecimento em regime chave na mão de uma Aciaria Elétrica para 200.000 ton/ano, com Forno Elétrico e Máquina de Lingotamento Contínuo . Já tinha algumas propostas preliminares, queria que eu as examinasse e completasse .
Analiso as propostas , elaboro a minha para esse trabalho, posso realizá - lo em casa , à noite e nos finais de semana ; ele aceita , me apresenta a um Diretor do Banco , na Avenida Rio Branco quase esquina com a Rua da Assembléia, onde ficava a Cobrapi , vou centralizar os meus trabalhos com este Diretor , em sala no Banco.

O Projeto para a Anglo American era pequeno mas muito interessante . Como as várias propostas já existentes eram muito vagas, com muitas falhas , incorreções , soluções diferentes entre elas, eu tinha primeiro que elaborar um estudo básico do que se pretendia, obter a aprovação do Cliente para ele, a partir daí elaborar as especificações para todas as instalações, incluindo as auxiliares, infraestrura, edifícios, etc, a oferta devia ser Turn Key , chave na mão , com a Usina pronta para trabalhar.

Completei o Projeto, o arranjo geral tinha sido desenhado num final de semana , na mesa da cozinha ; depois de muitas reuniões de elucidação aos fornecedores , todos grupos formados por associação entre empresas de projeto e fabricantes de equipamentos , joint ventures , tenho finalmente as propostas em mão . Sou então convidado para ir a Johanesburgo , África do Sul, com os Diretores do Banco e da Anglo American , certamente estes procuravam aprovação final para o negócio.

Resolvo tirar férias na Cobrapi, ir para a África do Sul - eu achava que com este empreendimento poderia obter um excelente emprego !

« Dizem que em 1866, o jovem Erasmus Jacobs estava brincando na fazenda de seu pai, perto de Hopetown, quando achou uma linda pedra. Um vizinho quis comprá- - la, mas a família não achou que a pedra tivesse valor e acabou dando-a, em vez de vendê-la. A linda pedra de Erasmus era o diamante “Eureka”, de 21,25 quilates, que causou a corrida ao diamante em Kimberley. Três anos depois, o mesmo vizinho teve sorte novamente, mas dessa vez ele achou uma pedra maior, com 83,5 quilates, que mais tarde foi chamada de “Estrela da África do Sul”.
Os diamantes foram encontrados em fazendas da região. O processo de escavação deu origem ao Kimberly Big Hole. Mais de 50 mil pessoas vieram do Mundo todo em busca da preciosidade. As condições de vida eram horríveis, mas toda vez que a área parecia estéril, alguém encontrava outra mina vulcânica cheia de diamantes.
A propriedade dos diamantes foi motivo de brigas litigiosas. Conhecidas como Grigualand West, as minas foram reivindicadas pelo povo Khoina, que há 70 anos habitava o local. Como as minas estavam nas fronteiras, os governos do estado de Orange Free, da República Sul-Africana e de Cape Colony também queriam uma parte da riqueza. Quando os britânicos chegaram em 1880 e simplesmente anexaram a área, todos discordaram.
Kimberley, considerada o centro da indústria de diamantes, foi dominada por nomes como Cecil Rhodes, Charles Rudd e Barney Barnato, que juntos trabalharam para criar um poderoso cartel, que mais tarde foi consolidado e deu origem à De Beers Consolidated Mines. Hoje, sob o comando do grupo Oppenheimers, a De Beers domina o mercado mundial de diamantes.
A corrida do ouro começou em 1886, quando George Harrison descobriu a camada Main Reef, em Witatersrand. As fazendas das redondezas foram declaradas propriedade pública e uma nova cidade, Johanesburgo, foi criada na região.
Nessa época, o norte tinha assumido o controle da África do Sul, e várias guerras marcaram a luta pelo poder. Em 1879, os Zulus derrubaram as forças britânicas em Isandiwana. Os britânicos, para reagir, derrotaram os Zulus em Ulundi, que hoje é chamada de KwaZulu-Natal.
Quando o Transvaal teve sua república proclamada, estourou a guerra Anglo-Boer, de 1880 a 1881. A segunda guerra Anglo-Boer, que resultou na derrota dos Boers, aconteceu entre 1899 e 1902.
Com as eleições de 1948, Hendrick Verwoerd e D.F. Malan criaram um mundo novo: o apartheid, ou “separação”. Esta posição política nacional trouxe muitas leis novas. Os negros foram forçados a se sentar em bancos públicos separados, usar entradas de prédios diferentes e ter seus próprios banheiros públicos. No ano seguinte, o decreto Mixed Marriages Act proibiu casamentos entre negros e brancos.
O decreto mais cruel de todos foi o Popular Registration Act, de 1950, que exigia registros de acordo com as classificações raciais. Os negros eram obrigados a carregar um passe permanentemente, impedindo-os de entrar nas cidades. Mais adiante, um grande número de negros foi enviado a áreas chamadas de townships - áreas de segregação racial e grande pobreza, que quanto mais longe dos olhos dos brancos, melhor.
Por 30 anos, o Partido Nacional batalhou para manter o sistema de apartheid, que pregava a censura aos meios de comunicação e a falta de liberdade de expressão. O índice de violência estava aumentando, bem como o número de protestos no país. A África do Sul se transformou em assunto de discussão internacional.
A resistência contra o apartheid culminou nos anos 70, quando Steve Biko, um líder popular do Movimento da Consciência Negra, fez um discurso para estudantes negros e brancos, com a intenção de aumentar o orgulho negro e divulgar o movimento. Biko foi espancado até à morte em uma cela de prisão, mas deixou um legado muito maior do que esperava.

Outro momento horrível da história sul-africana aconteceu em 1976, quando crianças de um colégio em Soweto foram às ruas para protestar contra a imposição de que Afrikaans fosse seu idioma oficial. Centenas de crianças foram mortas por policiais que atiraram, e mais de 600 negros morreram por protestarem contra a chacina »

Agora, Nelson Mandela, que já estava na prisão desde 1962, tornara - se um herói do movimento, o Bispo Desmond Tutu trabalhava incessantemente por uma solução pacífica e a violência nas cidades era comum .

Do aeroporto Jan Smuts , situado a este de Johanesburgo , chegava-se à cidade por 24 Km de uma boa rodovia . O Hotel Carlton , enorme, era adjacente ao Carlton Center , um edifício com 223 metros de altura, o mais alto de África , propriedade da Anglo American , magnífico shopping center . A região era densamente construída, ali próximos a Central dos Correios e a Prefeitura , nada indicava tratar-se de uma cidade africana em efervescência política .

A Anglo American tinha uma usina – Highveld Steel - próxima à cidade , do Grupo Scaw Metals, produzindo uma vasta gama de produtos siderúrgicos e também ferro ligas, principalmente com base vanádio . Dois engenheiros dessa Usina tinham analisado o projeto , queriam discutir comigo seus pontos de vista . Reuniões pesadas , com o meu fraco inglês, tentando a ajuda dos Diretores que iam comigo, para mais aqueles dois engenheiros sul africanos eram arrogantes, pretensiosos , pouco competentes.

A opinião de todos sobre a situação social na África do Sul era de preocupação, bastante evidenciada. Os acontecimentos internos com manifestações políticas e grande aumento da criminalidade , a situação de Angola em que se desenrolava guerra civil com a participação de forças sul africanas, os comentários mundiais contra o apartheid , tudo isso lhes fazia temer o pior. Pensavam em ir para Inglaterra , mas a maioria já não tinha vínculos por lá , se refugiavam cada vez mais nas suas excelentes casas , em bairros de uso e acesso restritos, protegidos , as regras da segregação racial continuavam sendo aplicadas , agora até por razões de defesa, medo.

Estamos a meio de setembro , regresso ao Brasil, à Cobrapi . O Diretor do Escritório me chama, diz que soube da minha atividade fora da empresa, me demite ! Achei que na verdade as razões seriam outras, o meu salário muito alto, a recessão econômica, falta de projetos onde eu fosse alocado. Continuo trabalhando para a Anglo American, o Banco Bozano, Simonsen , analisando as Propostas e dando assistência àquela Usina em São Gonçalo. Final de outubro, o Diretor do Banco me chama, diz que contrataram uma empresa para a implantação da nova usina, não precisam mais dos meus serviços !

Eu era dos primeiros a sofrer os revezes da recessão ! Talvez hora de aceitar a oferta do CF, naquela Usina em Sorocaba . Resolvo visitar Sorocaba, eu e a Tininha viajamos de carro, até São Paulo, depois pelas Rodovias Castelo Branco e José Ermirio de Morais , atravessando o Trópico de Capricórnio .

Sorocaba surpreende , grande, elegante, os bairros de Santa Rosália e do Trujilo apresentam belas mansões , um comércio movimentado ocupa o centro da cidade , várias indústrias de porte , metalo-mecânicas , hospitais, grande número de clínicas , bons colégios ; a Siderúrgica Nossa Senhora da Aparecida S/A está instalada na margem esquerda do Rio Sorocaba, afluente do Rio Tietê .

« Fundada em 30 de abril de 1937 por Luiz Pinto Thomaz através de uma pequena fábrica de ferramentas agrícolas que funcionou por alguns anos na Rua XV de Novembro, hoje centro nobre da cidade. Chamava-se Metalúrgica Nossa Senhora Aparecida.
No início da década de 1940, Luiz Pinto Thomaz adquiriu uma área de 240 mil metros quadrados fora da cidade(onde a empresa se encontra atualmente), e transferiu a fábrica de ferramentas agrícolas.
Ainda na década de 1940, expandiu a empresa instalando o primeiro forno de produzir aço e também os dois primeiros trens laminadores, estes, em franca operação até os dias de hoje. Nos anos seguintes foram instalados mais dois fornos de produzir aço.
A grande expansão veio a ocorrer em 1974 com a inauguração simultânea do 4º forno de produzir aço com capacidade para 25 toneladas, do trem laminador nº quatro (automático) e do conjunto de fornos para tratamento térmico, o Brasimet. A partir dessa data a empresa passou para < Siderúrgica Nossa Senhora Aparecida >
O CF é o Diretor Fabril , quer que eu ocupe a Gerência de Controle, com as áreas de Programação e Controle da Produção ( PCP ), Custos e Orçamentos e Engenharia Industrial . A Siderúrgica está tendo uma forte expansão ( instalação de um Laminador de Desbaste ) , com apoio do BNDES e tem contrato para assessoria técnica com a Creusot Loire, grande grupo siderúrgico francês . O salário é igual ao que eu recebia na Cobrapi, as funções são complexas mas não envolvem atividade direta nas instalações, certamente virão complementar a minha experiência profissional, a cidade é interiorana mas muito agradável, a Tininha gostou, vou aceitar ! Aquela mão que nos acompanha !, ou não ! estava – me indicando o caminho , eu tinha sido forçado a aceitar a proposta que o CF me havia feito logo ao início dele em Sorocaba !
A Tininha descobria agora uma possivel ( ?! ) ligação entre o ato de colocar cortinas nas janelas da sala e a nossa seguinte saída dessa casa , tinha sido assim em Angola, em Setúbal , agora no Rio de Janeiro !
Mas os Filhos estão terminando as aulas, o CF quer que eu venha já . Início de novembro , a Tininha fica com os Filhos no Rio , eu venho para Sorocaba, alguns dias no Hotel Chamonix na Rua Coronel Benedito Pires, Centro de Sorocaba, próximo à Igreja Matriz, depois em casa do CF aceitando insistente convite da esposa dele, finalmente em casa alugada na Rua Duque de Caxias onde relembrei mais uma vez os tempos de Maua , de roupas dependuradas em fio esticado no ângulo entre duas paredes , coisas pelo chão .
A oferta de casas para alugar era muito restrita, alguns apartamentos no Centro , poucas casas e todas de salas muito pequenas. Aquela , na Duque de Caxias, era bem situada , rua perpendicular à Avenida Moreira César que pela Rua Cesário Mota à sua esquerda desembocava no Centro ; casa antiga, de três grandes quartos, três salas pequenas que seriam ocupadas com sala de estar , sala de jantar e sala de musica , dois banheiros com banheira , de estruturas antigas, cozinha e área de serviço, uma área em porão com uma grande sala dando para pequeno quintal na parte traseira da casa . Na frente da casa, pequeno quintal com árvore que enchia tudo de folhinhas, e entrada para garagem, um carro.
Finalmente a Tininha chega , terminaram as aulas, está muito contente porque no Colégio Andrews o João António ganhou os 1º e 2º lugares em concurso de poesia no final do ano escolar, ela esteve no Colégio recebendo os elogios e ouvindo do professor de português que gostaria ele , professor, de escrever como o João, e que se houvesse 3º prémio seria também do João ! Eu me surpreendia e encantava com a beleza dessas poesias

Lá vai a Nau Catrineta partir para o Alto Mar, deixando ficar na costa uma donzela a chorar :
« Ó águas do Oceano que não me deixais amar, trazei-me quem muito quero , por quem ando a suspirar »

Lá vem a Nau Catrineta que traz muito que contar : a história de um marinheiro que a donzela vem amar .
« Ó águas do Oceano banhadas pelo Luar , já trouxestes meu amor no vosso doce embalar »

Lá vai a Nau Catrineta
saindo de novo p´ro mar deixando ficar na costa o marinheiro e a donzela a cantar ....

( Nau Catrineta – 1º Lugar )

Não é ventura ter ouro e palácios.
Ventura é ter estrelas , ter velas de espuma vagando no mar , castelos de nuvem bordados de luar, ter ânsias de espaço....... e um céu azul sem fim para abraçar !
Ventura é chegar sem partir é ter marcado um ponto e alcançá – lo ; é ter um rumo e ver chegar o dia de o cumprir !

( Ventura - 2 º Lugar )

As minhas novas atividades , na Aparecida, eram complexas, envolviam conhecimentos e técnicas que para mim eram novidade , me obrigavam a trabalhar em casa à noite, o que se tornava num hábito, depois do jantar assistir à TV e trabalhar.
O novo ano escolar foi iniciado pelo João e a Paula no Colégio Anglo , nos 3 º e 1º Colegiais, a Olga e o Pedro iriam para o Colégio Objetivo, nas 8ª e 6ª Séries.
Numa ida a São Paulo , sede da Aparecida, estou passando pelo Largo do Arouche, frente à portaria de um prédio antes dos bares que ficavam sempre ali com as suas mesas pelas calçadas, e me deparo praticamente frente a frente com o antigo Gerente de Vendas da EKA , aquele espanhol que saíra viajando pelo México, Brasil , Angola e agora estava ali ! Natural a alegria do reencontro , as notícias de Angola, ele tinha conseguido sair pouco antes da independência, tomara posse de onze carros abandonados em Luanda e os trouxera para o Rio de Janeiro, conseguira entrar com eles em disparada no barco que o aguardava, fazendo explodir bombas na ponta oposta do cais para desviar para lá os guardas , africanos ! A casa dele em Luanda , ele dizia ter deixado cheia de bombas, armadilhadas , que explodiriam quando alguém – invasor, claro, africano - se lembrasse de abrir a porta do sótão ! Trabalhava em Curitiba, estava a serviço em São Paulo. Lembrando do histórico dele, das suas passagens por países donde sempre saía por convulsões sociais , eu temi pela situação no Brasil ! ( e lembrava-me já lhe ter dito isso quando o conheci em Angola ! ) .
A deterioração da situação econômica e os primeiros passos da democratização anunciada pelo Governo , levam em abril nas fábricas do ABC à mais longa e importante greve operária do País após o golpe militar de 1964 . Não tendo nenhuma reivindicação aceita - 15 % de aumento salarial por produtividade, garantia de emprego, delegado sindical – uma multidão de metalúrgicos se reúne no Estádio de Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, sob o comando de Luís Ignácio da Silva, o Lula, cantam o Hino Nacional e o da Independência, agitam orgulhosamente suas bandeirinhas de papel , decretam a greve – como a lembrar que ali estava o Brasil, o Brasil das vítimas da ditadura e das multinacionais, o Brasil operário, mais do que nunca disposto a lutar. O confronto era inevitável, desde o primeiro momento – um confronto desigual : de um lado, o Governo, os empresários nacionais e estrangeiros e todo o aparato policial -militar de sustentação do regime ; do outro, os operários que tomaram consciência do seu papel e da sua força, armados de razão e coragem na sua luta por uma vida mais digna. Foram 40 dias em que os 200 mil metalúrgicos do ABC se transformaram nos personagens mais importantes da vida brasileira.

O Papa João Paulo II veio ao Brasil , o primeiro Papa a fazer essa visita !

« Chegou em 30 de junho a Brasília, onde realizou o gesto célebre de ajoelhar-se e beijar o chão, saudando a terra que acabava de pisar . Durante os dias da visita, bancos e repartições públicas fecharam, teatros atrasaram os espetáculos e esquemas rodoviários foram alterados. Essa passagem de João Paulo II foi uma das maiores movimentações populares já registradas no País , uma multidão de 4,5 milhões de pessoas veio para as ruas . João Paulo II fez seus discursos com clareza e sem rodeios. Em pleno regime militar, defendeu justiça social, liberdade sindical, reforma agrária, direitos humanos e educação sexual. Por outro lado, condenou a Teologia da Libertação - escola controversa da Igreja Católica que, com influências marxistas, enfatiza a situação social da população - e o aborto.
Naquele momento, o pontificado de João Paulo II, então com 60 anos, ainda não estava consolidado. O professor de história da Universidade de Bolonha, Giuseppe Alberigo, avaliava o governo de João Paulo II como contraditório. "Ele faz coisas no sentido de abertura como a multiplicação de suas viagens, o progresso nas questões ecumênicas. E faz coisas de indiscutível fechamento, sobretudo quando se trata de atos internos da Igreja"

Apesar disso e do pouco tempo no trono papal, João Paulo II já era considerado a figura mais popular do planeta. Até por causa de suas viagens.
A vinda ao Brasil em 1980 foi a sétima chamada peregrinação internacional de seu papado. Pela tradição sedentária da Igreja, antes de João Paulo II, somente um papa, seu antecessor Paulo VI, havia viajado bastante e, mesmo assim, não tanto quanto ele. Mas nenhuma das viagens do papa até aquele momento se comparariam à brasileira. O Santo Padre havia ido à República Dominicana, México, Bahamas, Polônia, Turquia, Irlanda, Estados Unidos, França e outros seis países africanos. No Brasil, João Paulo II percorreu 13 cidades, ou 30 mil quilômetros, em 12 dias »

Com a pouca oferta de imóveis para alugar em Sorocaba , o valor do aluguel da casa da Duque de Caxias era alto, pesava no orçamento ; os colégios dos Filhos também ficavam mais caros , a inflação tendia para mais de 100 % no ano. A procura por melhor situação financeira podia passar pela aquisição de casa via BNH – Banco Nacional da Habitação - com pagamento de uma parcela à entrada e o restante parcelado em 20 anos , através de um Banco, no meu caso o Banco Bradesco onde tinha conta , recebia o salário.
Circulando na cidade , final de semana, eu e a Tininha passamos por uma casa na Avenida Washington Luis que tem discreta placa anunciando a venda ; a casa é grande , charmosa, protegida por alto muro, o espaço dos jardins parece razoável . Tomamos nota do telefone. Segunda feira , a Tininha liga para aquele número , é de uma agência imobiliária, por coincidência na Duque de Caxias - o valor da casa é altíssimo , que pena !
Mas aquela agência pensou ter achado um cliente , passa a ligar quase diariamente com uma oferta de casa ! Vamos visitar, não agradam , para mais são caras, acima do nosso orçamento . Uma delas, de surpreendente bom preço , é por coincidência na Avenida Washington Luis em frente daquela primeira que nos tinha agradado ! Mas é feia, cheia de mato, o quintal parece selva, a porta de entrada no cimo de uma escada externa tem um alpendre mal construído , o telhado tem pouca inclinação, a sala é grande, maior do que nas melhores casas que temos visto, mas tem um armário embutido horroroso, os banheiros e a cozinha têm azulejos feios, os quartos têm bons armários embutidos mas as portas são recobertas de laminado com motivos florais de péssimo gosto. Não gostamos , rejeitamos !
Algumas outras casas visitadas, aquela casa da Washington Luis, feia mas com uma sala enorme ! , começa a nos parecer mais aceitável, está dentro do nosso orçamento, podemos fazer obras , mudar o que não gostamos.Aquela mão que nos acompanha ! ou não! parecia ter- nos indicado o caminho , decidimos, vamos comprar !
No início das formalidades de aquisição da casa , a Aparecida me manda fazer um estágio em França ! Havia aquele contrato de assistência técnica com a Creusot Loire , o qual compreendia o estágio em França dos engenheiros da usina , eu seria o último a participar desse estágio , o contrato estava no seu término, não seria renovado por desinteresse de ambas as partes.
A Tininha ficou com uma procuração minha, eu embarco para Lisboa, uma quarta feira, ficaria até domingo, iria então para Paris, depois para Le Creusot .
Portugal estava curando as feridas de uma revolução turbulenta, de quase guerra civil, que tinha provocado enormes e dolorosas mudanças em muitos portugueses e que continuava a ser devastadora para as ex-colônias , principalmente Angola e Moçambique que se viam envolvidas pelos jogos de interesses internacionais levando a brutais guerras civis, muito mais devastadoras para elas do o que haviam sido as guerras coloniais.

Era outono, talvez por isso Lisboa me parecesse uma cidade melancólica, as pessoas tinham semblante carregado , comportamento grosseiro , deseducado. Era visível a grande quantidade de variadas gentes que tinham vindo de África, se misturavam nas ruas, davam uma cor diferente à Lisboa da minha infância e juventude . Lisboa me assustava , não era amigável.

Os meus Pais e meus Sogros me esperavam no Aeroporto da Portela . Meu Pai, sempre mal humorado, agressivo, acharia que o carro não comportava cinco pessoas, pelo peso, meus Sogros iriam de táxi para a Póvoa de Santo Adrião ! Quinta feira , os meus Sogros regressam a Pombal, precisam chamar um táxi, a estação de saída dos ônibus é em Lisboa , meu Pai não se dispõe a levá - los. Fico pelas ruas, passeio por Lisboa, sinto a indelicadeza do atendimento pelos garçons nos restaurantes , vejo as paredes dos prédios sujas, desenhadas de todas as coisas ; aquele Largo do meu Liceu me parece desconhecido, o caminho de tantas e tantas vezes até ao casarão não tem mais a alegria dos tempos de estudante .
Sexta feira, de manhã , meu Pai está mais agressivo. A conversa ultrapassa o aceitável, resolvo sair da Póvoa , irei para um hotel. Me despeço de minha Mãe, digo que vou para o Aeroporto. Na rua, em frente ao prédio, começo a descer para tomar um táxi na pracinha ao pé da Igreja ; meu Pai está ali, parado no meio da rua, ainda não acabou suas agressões, ainda a última , a definitiva. Apresso o passo, não olho para trás , não culpo, só quero esquecer.

Sábado , vou antecipar a ida para Paris . Chego no Aeroporto, a aeromoça faz o meu check - in correndo, me empurra para o avião , está saindo.
Chego a Orly, tenho um dia em Paris , posso ir até Pigalle, ficar sentado naquele restaurante de poltronas vermelhas , não pensar.
Em França vou estar em duas Usinas, primeiro em Le Creusot, na região de Saône et Loire, Bourgogne , origem das Usines Schneider e depois Creusot Loire Industrie , uma pequena cidade , de hotel ruim , e em seguida em Dunkerque, no Norte da França , porto no Mar do Norte, de onde na 2ª Guerra Mundial , junho de 1940, foi efetuada a grande retirada para Inglaterra de 350.000 soldados aliados sitiados pelos alemães . Dunkerque é uma cidade de pouco mais de 50.000 habitantes , 85 % destruída naquela Guerra, tem como grande herói Jean Bart, corsário ao serviço de Luis XIV . No outuno é uma cidade fria, tons de cinzento, as lojas , restaurantes, bares, têm as portas fechadas, as pessoas se voltam para olhar quem entra , olhar de surpresa quando é um desconhecido. A Siderúrgica, do Grupo Usinor, iniciou atividades em 1963, é de grande porte, projetada para até 8 milhões de ton /ano.
Os estágios são desinteressantes , nas minhas áreas de atividade na Aparecida as informações não fluem , são reservadas , apenas parciais. O programa compreende também almoçar com engenheiros franceses , de diferentes áreas, o que serve para integração , troca de idéias.

Num dos dias almoço com um engenheiro, novo, ele me conta a trajetória na Usina . Na saída , à tarde , se propõe me levar para o Hotel, fica no caminho dele. Na viagem , bom carro , fala sobre a família, a motivação que lhe proporcionavam a esposa, enfermeira, e um filho pequeno. Me deixa no hotel , início da noite , chuva miúda .
Dia seguinte , chegando na Usina, alguém me pergunta - sabe o que aconteceu com aquele engenheiro que esteve almoçando com você ontem ? A notícia me obrigou a sentar ! No trajeto para casa , na rodovia, bateu num caminhão, morreu ! Eu pensava na esposa , no filho, aquela mão que nos acompanha ! ou não ! pode muitas vezes ser incompreensível !

Em Sorocaba , a Tininha conseguia fechar o contrato para aquisição e financiamento da casa , não sem complicações na relação com o proprietário , um alemão de meia idade , permanente mau humor , que sofria com a separação da casa que ele tinha construído para a família, a esposa nunca tendo querido morar nela ! Precisava de obras, na entrada, na sala , colocar carpete sobre o assoalho de tacos mal colocados, persianas nas janelas, tirar o mato, pintar. Aprendíamos as dificuldades de relacionamento com o pessoal de construção civil , mas era a nossa casa !

O Natal daquele ano, entrada para 1981 , teria mais alegria, em torno da árvore que brilhava nas suas luzes e nas caixas de presentes ao seu redor que todos compravam para a todos serem oferecidos – eu dava dinheiro a cada um dos Filhos, o mesmo valor, para comprarem presentes para eles e para os Pais ! Jantar de Natal , ânsia da descoberta, impossível esperar pela meia – noite, eu sorteava um por um quem ia entregar o presente e a quem !

Eu ia fazer 42 anos, a trajetória da minha Viagem me tinha trazido até ali , à casa em que eu iria criar raízes, esperar que os meus Filhos ganhassem a vida de adultos, agora o João com 17 anos , quase 18 , a Paula com 15, a Olga com 14, o Pedro com 12 , ajudados pela Tininha incansável nos seus cuidados.

Esperava que aquela mão do Destino que nos acompanha ! ou não !, continuasse por perto, zelando . Talvez incompreensível !

Um comentário:

  1. Trabalhamos juntos em vários projetos no Escritório do Rio, recife, Salvador e Vitoria.

    ResponderExcluir